sexta-feira, 24 de abril de 2015

Iria ter tempo de tirar todas as dudas ...



…e sentou-se no muro do poço. Enquanto a vaca, de olhos tapados com a careta, dava voltas e mais voltas ao redondel com o cambão no cachaço, subjugada a ele através da brocha no pescoço e das apiaças nos cornos, ele, calado, de pés assentes numa das vigas de suporte do engenho, ia-se baixando sempre que o cambão por ele passava.

Era um jogo que já durava há muito tempo e muito tempo havia ainda de durar!

O sol batia-lhe agora já com força na cara e olhos e quase o fazia caçumbar, mantendo-se, no entanto, desperto não fosse o diabo tecê-las e afocinhar para dentro do poço, agora já meio de água, com meio metro acima do balseiro, sensivelmente metro e meio de água contado da cova dos alcatruzes.

Lembrava com saudades o Pai que andava longe e prometeu vir este ano trazendo-lhe a tão ansiada prenda. Queria lá ele saber se o Pai a tinha encontrado na pebéla ou se a tinha comprado nalgum sítio. O que sabia é que iria ter uma prenda dada pelo Pai. Já antecipava o prazer que lhe daria o fato de poder aventurar-se com ela, sozinho, sem ter que a repartir com ninguém mais. E que estalidos daria? Ouvir-se-iam muito longe? Seria ele capaz de fazer mais figura com a pressão de ar do que com a funda e costelas? Que o tempo corresse depressa e o Pai viesse com vida e saúde e que não se esquecesse da prometida prenda! Ai se a chega a ter na mão! Iria ter tempo de tirar todas as dudas que o afligiam agora. Mas que falta ela lhe estava já a fazer. Podia muito bem estar a treinar a pontaria enquanto guardava e tocava a vaca para que não faltasse a água no cavalo à mãe e ela regasse os traveses depressa, regadeira a regadeira…

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