domingo, 26 de julho de 2015

Agruras da vida, conheceu-as com força.


… Ninguém o diz mas pressente-se o que tenha acontecido. Morreu à pura dor.
Há mais de noventa anos - quase um século - nasceu, vingou, viveu, trinou inúmeras melodias ao Divino e ao profano e feneceu-se!
Agruras da vida, conheceu-as com força. Aos dois terços da idade viu-se sozinha enfrentando ditos e atos produzidos por algozes irascíveis, desumanos… Valeu-lhe um moirão firme, esteio seguro que, qual António pregando aos peixinhos, se desunhou e desdobrou em ditos e apelos à consciência daqueles que a não tinham.
Mas tudo sofreu, suportou e, sem esquecer, atirou parta trás das costas. O corpo, cansado, deu em pedir-lhe o apoio que lhe não podia dar. O moirão viu-se em palpos de aranha e, acertadamente, ajustou e encaminhou-a para o sitio certo onde iria encontrar, quiçá, aquilo que na vida sempre lhe tinha sido negado: mimos, apoio, alegria, bem estar, comida saudável, assistência física, psíquica e social.
Rodeada de joias, melhor, anjos de bem-fazer! Certo que tinham o seu ordenado mas bem que o mereciam e muito mais lhe deveria ser dado!
O local era muito agradável. Edifício amplo, soalheiro, sem barreiras ou obstáculos à locomoção, isolado, ar puro por todo o lado, pode dizer-se que é um brinco, um miminho como ela mesmo dizia.
Cantou e encantou quem a pode ouvir! Ultimamente já arrastava a voz mas o seu timbre era inconfundível. A todos tratava com muito carinho!
Era um pouquinho ciumenta. Lá isso era. E não o reconhecia! Por pertencer a uma família que se preocupa com os mais idosos da sociedade, sempre que havia visita… queria-as ao pé dela! Eram dos dela e ela não abdicava deles! Quase exigia a exclusividade da companhia e da visita. Filha de gente simples e honrada, herdou dos seus essas qualidades.
Muito devota e católica praticante, viveu profundamente a religião de seus pais e da comunidade onde estava inserida. Serviu o seu Deus o melhor que soube e pode. Dava prazer falar com ela.
Um dia, durante a refeição da noite, depois de um dia cheio de boa disposição, cânticos, orações e alegria, sentaram-se à mesa no refeitório. Já não saiu por seu pé…

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