sexta-feira, 8 de maio de 2009

Gratas Lembranças (8) - Maias doutros tempos...

...e vamos jogar o último jogo, pois hoje é Sábado, primeiro fim de semana de Maio e já passa muito da meia-noite estando a chegar a hora da luz apagar. Pouco depois foi a debandada geral e a Ti Maria do Rio ficou vazia. O grupo dos sete (quatro a jogar a sueca e três a “alservar e a aporrinhar”) saiu para o largo da Igreja Velha e fez-se acompanhar do “Menino”. A pouca luminosidade emitida pelos focos de iluminação pública instalados ao longo das ruas do Seixo e Cabeças Verdes cintilava ainda e impedia-os de darem inicio a mais um compromisso anual e tradicional da mocidade: cumprir o ritual das Maias. Inicialmente falaram em surdina, sempre atentos á aproximação doutros, doutros grupos que porventura por ali passassem com os mesmos objectivos. Eis senão quando o “Menino” que se encontrava entre eles, com o seu vozeirão de ribombar, manifestamente chateado, acentuando mais ainda a sua gaguez, se sai com a frase “... e, e, e, eu f... já!” dando mote a que cada um dispersasse para seu lado, em alta risada e correria, aflitivamente. Por seu lado, o “Menino” seguiu rumo a casa, altercando monossílabos inaudíveis e indecifráveis para quem com ele eventualmente cruzasse. Não se metia com ninguém! Pedia um café ou um cigarrito e por ali ficava, ouvindo, vendo, sorrindo. Chateava-se seriamente sempre que a juventude com ele se metia e o mandava para a cama, porque não havia luz! A luz fazia movimentar coisas dentro da caixinha que o deslumbrava e fazia-lhe companhia de casa até ao café e do café até casa, pois dava mesmo a entender que tinha medo de fazer este caminho, principalmente quando se entretinha um pouco mais e, quando dava por ela, já não se vislumbravam as lâmpadas aqui e ali (que mais não faziam senão indicar o caminho a seguir, não pela iluminação que transmitiam mas sim pelo alinhamento das lâmpadas nos postes ou paredes das casas). Mas voltemos ao nosso grupo. Deslocaram-se, depois de se recompor da carreira imprevista que o “Menino” lhes fez dar, para a Fonte do Canto de Riba e ali, mais à vontade, ponderaram actividades lançando nomes de cachopas para o ar, definiram estratégias, afoitaram-se e reconfortaram-se mutuamente (sim porque isto de ir penetrar na casa de cada um para retirar o carro da vaca ou dos bois sem que o pai delas ou outro familiar se apercebam não é para todos). Eis senão quando um dos do grupo, que sorrateiramente se havia esgueirado e aproximado doutro grupo que se encontrava junto ao Cruzeiro a combinar a sua forma de actuar e casas a visitar, dá o alerta: temos que nos despachar porque o Luís e os outros já arrancaram para as Cabeças Verdes. O Manel, (que parecia ser o líder do grupo) impôs calma e fundamentou a sua opinião no facto de, para além de ainda não se ter apagado a luz, não estar nas suas intenções, nem nas de ninguém do grupo, ir para aqueles lados. Assim fizeram permanecendo mais algum temo na Fonte, ao escuro, ambientando-se com a reduzida luminosidade e relembrando os passos a dar na noite que se adivinhava movimentada. É agora! Foi o aviso dado por um. Na verdade as lâmpadas deixaram de se ver. Colados ás paredes das casas, deslocavam-se furtiva e rapidamente mas sem dar nas vistas, rumo a casa do Ti Manel. Não havia motivo nenhum em especial para nenhum dos rapazes do grupo, ou melhor dizendo, nenhum dos do grupo falavam com qualquer das filhas dele ou estava interessado nelas mas, o ti Manel é que lhe deu o dote: gabava-se de que a casa dele é que ninguém ia e se se aventurassem a ir, ninguém conseguiria tirar fosse que carro fosse (tinha junta de bois e vacas de trabalho, logo havia pelo menos dois carros naquela casa: um de dois bois e um de varais de madeira!). Mas eles que tomaram a peito a façanha! Se bem o pensaram, melhor o fizeram! O ti Manel, homem cauteloso, acautelou-se a sério e… deitou-se em cima da carrada de erva que se encontrava no carro dos bois, depois de ter amarrado as apiaças da canga do carro das vacas á roda do carro dos bois e, à cautela, alimentou de forma reforçada o fiel, (que achou estranho mas aceitou e comeu de bom grado e de barrete fora!) e deu-lhe corda de forma a que este se deslocasse do carro até ao portão e deste até ao carro. Foi o seu azar esta folga dada ao fiel! O grupo acercou-se cautelosamente da casa, seriam três horas da manhã. Dois deles (funcionavam sempre em equipa!) pelo caminho que dá acesso ás terras da Costeirinha, outros dois num contínuo vai e vem, sem fazer qualquer ruído mas incumbidos de se certificar que o portão estaria fechado ou, quem sabe, por esquecimento, incúria, ou outro motivo qualquer deixado aberto, iam andando na frente da casa para, em caso de necessidade desviar as atenções, dar o alarme e “ás de vila Diogo”. Podendo verificar a posição (local) em que estaria o Fiel, escutaram e auscultaram ruídos mas nada. A mesma sorte não tiveram os dois que foram pelo caminho da Costeirinha. Mal tinham entrado no mesmo, ouviram claramente dois ruídos diferentes, alternados. Alto! Pararam e, sem palavras, perfeitamente coordenados pensaram e bem: Tanto dorme o Ti Manel, como dorme o Fiel. Recuaram. Deram conhecimento da descoberta aos restantes elementos do grupo e, passaram de imediato á segunda fase do plano: Caberia ao João galgar o muro com todo o cuidado, calar, manietar e retirar o cão daquele local. O ti Manel bem podia dormir, não lhes fazia afronta. Muito afoito, conhecedor de cães e suas reacções, ali mesmo despiu calças e camisas ficando em tronco nu e calções. Depois, num movimento rápido e seguro, galgou o muro e caiu no interior da estrumeira, sem que o vento sequer bulisse. Mas o fiel sentiu e rosnou! Já o João se encontrava ao alto com ele e urinava desalmadamente para a sua frente. Surtiu efeito. O fiel deu meia volta e deslocou-se para as proximidades do portão com o rabo entre as pernas. O João foi no seu encalço, segurou a corda que o prendia, soltou-o, agarrou ao colo e este a tremer, nem ganiu. Manteve-se calado e acelerou logo que o João abriu o portão e o colocou no chão. Acto contínuo, os restantes elementos entraram e alaparam nas proximidades dos carros unidos pela apiaças do carro das vacas. Continuou o João o seu trabalho soltando o nó e segurado a canga, dando o mote para que a equipa agisse de imediato. Coordenados, assim fizeram. Mas o carro que não passava entre os muros e o carro dos bois onde se encontrava o Ti Manel. Nada de alarmar manda agora em surdina o Manel. Ao fundo do quintal está a cabana que já tem dois traveses sem palha. É para lá e sem ruído. Canga colocada no chão junto da vara de baixo. Taipais e caniço fora do sítio. Dois em cada roda. Dois no arrecavém e um no topo da cabana. Há que levantar e não fazer barulho. Carro ao alto, encostado ás varas do través, entre os prumos e… toca a fazer força para que as rodas passem para o lado de lá. Depois, os dois do arrecavém, segurando pelas apiaças ligadas à canga, mantêm o pêndulo assim formado em equilíbrio estável, permitindo que todos os outros passem para o outro lado da cabana da palha. Ali chegados, sem palavra alguma pronunciada, três seguram o carro pelo arrecavém, dois, um de cada lado, sobem e posiciona-se de forma a segurar os varais, de madeira (bem pesado!), e com a folga dada pelos dois que se encontram na apiaça, o carro começa a descer até ficar apoiado com o arrecavém no chão. O Ti Manel dá de si! Grita pelo fiel, chama-o desalmadamente, acorda toda a vizinhança, põe todos os cães da redondeza a latir mas… o carro já nem sequer o enxergou. As filhas também se levantaram mas foi para o apoquentar mais, como que achincalhando-o mas sem lhe faltar ao respeito. É que pai é pai! O que se sabe é que o carro dormiu uma hora muito próximo de casa e ninguém deu por isso só indo para o adro da Igreja cerca das seis horas, ali chegando depois do Sacristão ter entrado e começado a puxar a corda que havia de impingir movimento ao sino para que acordasse e chamasse, com o seu badalar, o povo para a oração de domingo. Alguns grupos, mais audazes, esperavam mesmo que as pessoas entrassem para a missa e, só depois, ali colocavam os carros que haviam tirado e traziam ligados como se de um comboio se tratasse. Depois Era só esperar, longe dali, e ouvir as reacções dos visados e visitados. Mas houve muitas mais cenas castiças e actos de imprevisto a que se assistiu. Estou a recordar o pátio da ti Clarinda, nas Cabeças Verdes. Tinha uns portões de calça arregaçada e…

1 comentário:

  1. Olá!
    Estou a gostar imenso de ler as tuas recordações...Continua é bom não deixar esquecer!
    Beijinhos para todos
    Graça

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