terça-feira, 5 de janeiro de 2016

Estava um tempo de cigarras...


… e encontrei-o sentado à sombra no telheiro. Esperava mais alguém pois havia mais dois banquitos além daquele em que se encontrava sentado. Saudei-o e ele salvou-me com um efusivo aperto de mão e a justificação de que só não se levantava porque as pernas não o ajudavam a fazê-lo. Indaguei-o acerca da identidade de quem esperava mais mas ele respondeu que era para quem aparecesse e quisesse ficar na cavaqueira mais a gente. Satisfez-me esta resposta e predispus-me a tomar apontamentos acerca dos temas e assuntos que á conversa vinham. Falou-me de si e dos seus, falou do tempo, da novidade e a certa altura a conversa descambou para a vida alheia. Trazia ali um grão de areia na sapato por causa duma vizinha numa terra do fojo.
Pedi-lhe e propus-lhe que mudássemos o rumo à conversa pois não tinha interesse o assunto a que se referia mas sempre o fui ouvindo não fosse ele melindrar-se e fechar-se em copas não restando mais conversa. O que sei é que o assunto, pouco depois, já estava esquecido e a boa disposição retomada.
Estava um tempo de cigarras. Poucas formigas se viam a moirejar. Esta moda das férias é que lhe dava continas. Não podia aceitar que se desperdiçasse tempo precioso, de barriga pró ar. À semana, deitado na areia da praia… e tanto trabalhinho para fazer. Modas. Modas que não havia de levar a lado denhum. E atão é que tanto eram os que tinham farinha como até os que de farelo tinham pouco! Que raio de igualdade era esta? Atão pa descansar não bastaba o domingo do Senhor? Foi isso que ele aprendeu na doutrina e sempre respeitou e cumpriu. Nasceu e viveu para trabalhar e comeu e come para se alimentar. Não vive para comer mas come para viver. E se ele é um bom garfo. Sempre sempre, não, mas de duas em duas horas sabe-lhe bem meter calquer coisita à boca.
Verdade seja dita que sendo um homem pequeno, bem entrado na idade, magro mas rijo, ninguém tem conhecimento de alguma vez ter abusado quer nas comidas, quer nas bebidas. Carne e ou peixe pouco come mas vai-se deliciando com as sopas que a Maria faz no borralho e a vida vai-lhe sorrindo. Não se queixa de muitas dores nem tem necessidade de trabalhar mas lá vai fazendo o seu quintalito com as novidades e criando as suas galinhas e patos. Porcos e vacas é que já desistiu de criar. Mas galinhas, isso sim, são carne com que se delicia sempre que lhe apetece. Ainda agora lhe nasceu mais uma ninhada de treze que traz á solta pelo quintal atrás da pedrês. Lá lhe vão depenicando as couves mas não se importa porque são muitas. As ervas vai arrancando nelas e atira-as prá cerca. Tudo o que é gado de bico, derrete com tudo - e na verdade na cerca - não se vê uma só ponta de folha verde. E depois os restos das sopas e as cascas das batatas é para lá que são atiradas também pois também é de lá que vem os ovos que tanto aprecia...

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