sexta-feira, 19 de junho de 2009

Fui ás sortes!...

… saiu manhã cedo para se juntar a todos os outros que assim fizeram também. Na noite anterior, lavou-se na bacia larga de folha, (aquela que tem um fundo reforçado de madeira e aro superior de metal oco!) ali ao canto da casa de arrumação, paredes-meias com a cozinha, dum lado, e do outro os currais do gado. Envergava agora um fato que lhe tolhia os movimentos livres e uns sapatos que lhe apertavam os dedos dos pés pois era a primeira vez que os calçava. Só do Seixo eram catorze ou quinze que, montados nas bicicletas, se dirigiram a Mira, aos Paços do Concelho, a uma sala lá em cima, onde foram inspeccionados por uns poucos de “Doutores”. No final, lá lhe deram a guia (uma folha grande dobrada ao meio!) que o devia acompanhar até um qualquer dos quartéis espalhados por esse Portugal. E Aveiro que era aqui tão perto! Não teve sorte nem padrinhos! Nem ele nem o pai conheciam ninguém! Verdade seja dita que também não tinha capoeira de rico, pois sabia muito bem que “uma cestada de galos” seriam o bastante para o desviar das sortes, para o libertar daquela “obrigação”. Como não sabia ler, veio a saber que o seu destino seria o Regimento de Cavalaria em Santa Margarida (Idêntica sorte teve seu filho: também ali foi parar com os costados depois de ter andado da Figueira para Lisboa, de Lisboa para Stª Margarida, ali ser “ameaçado” com os Açores e depois vir acabar a Coimbra). Mais uma vez não conhecia ninguém, nem teve padrinhos! Não era fácil de entender (embora ouvisse falar vagamente em colónias de Africa!) os motivos que obrigavam todos os mancebos a recensearem-se, serem inspeccionados, alistados apresentarem-se num qualquer Quartel por esse Portugal fora para receber instrução e… posteriormente jurar servir a Pátria mesmo a troco da própria vida, por tempo sempre indeterminado mas nunca inferior a uma recruta de três meses, a especialidade de outros três, um tempo de impasse até ser mobilizado e depois uns bons dois anos por lá! O pai lutava dia a dia para angariar o pão prá prole! Contava com a força dos seus braços para continuar o amanho das terras que vinha fazendo e, se possível, aumentar, em número, as leiras a amanhar. Tinha até pensado ir a Palhaça apalavrar uma Junta para tirar proveito da juventude do filho. Mas não foi desta. Raios partam a sorte... E o pior é que o Compadre Diamantino lhe havia garantido que lhe livrava o filho, mesmo até das sortes! Por isso mesmo lha havia arrendado uma leira no Carvalho pela qual lhe pagaria vinte e dois alqueires de renda, outra nos Servatinhos que, embora mais pequena, teria também que lhe entregar no S. Miguel, dezoito alqueires e uma outra ainda nas Relvadas por treze alqueires, esta sem poço de rega mas que se achou na obrigação atendendo á promessa feita relativamente ao rapaz, de a aceitar para trabalhar. Mas, havendo saúde e braços concerteza não faltará tempo para trabalhar… as tripas sem “mealha” (migalha) ficam mais leves, incomodam menos… e, quanto menos se comer, mais se amealha…

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