A maior prate do milho já está recolhido, nem todo seco, mas pouco está ainda nas terras agarrado á palha. Fizeram-se algumas cascadelas, cascou-se muito milho nos quintais á sombra de abrunheiros e laranjeiras velhas, durante o dia, arrumou-se a palha nas cabanas e mudou-se as carapitas para medas… arrasaram-se as regadeiras á enxada ou com grade dos bois. O arado com arrabenhos de vime, está pronto para fazer os primeiros margidos! E é isso mesmo que o nosso Ti Manel vai fazer hoje! A chuva que caiu ontem, durante a noite e hoje mesmo, molhou a terra o suficiente para que se pensasse em amargiar as terras dos fojos. A Maria caldeou já as sementes do pasto para espalhar logo depois de passar a grade pela terra, garantindo assim fartura para o gado logo no cedo. Tinham que aproveitar o tempo e a feição como ele estava a correr. Tirou os bois do curral. Um de cada vez. Primeiro o Cabano e atou-o á argola junto da pia para que ele ("buesse auga") se dessedentasse. Depois fez o mesmo com o Amarelo. Logo que eles acabaram de beber, jungiu-os com a canga, apeaçou-os e levou-os assim, juntos, para o toiço do carro onde havia já colocado a grade de dentes. Chamou o rapaz e pô-lo a agarrar a soga que unia os animais pelos cornos enquanto levantava o toiço do carro e lhe colocava a chavelha, unindo-o á canga, formando assim um conjunto único, uno e simples, carro e bois. Carregou depois o arado e o taimão para a grade. Carregou ainda os dois sacos de semente para espalhar na terra. Quase quatro arrobas de pasto para amargiar! Pediu á Maria que lhe trouxesse dois sacos, dos grandes, de amónio, para fazer uns capuchos, para ele e para o rapaz, caso a morrinha engrossasse e intentasse em trespassar-lhe a farpela e os ossos. Posto isto, pôs-se a caminho, rumo aos fojos. O filho acompanhava-o! Alegre mas calado, caminhando ao lado do carro dos bois, muito próximo das pernas do Cabano. Sonhava já com a Escola que estava quase a começar! Também já só faltava um ano. Faria a 4ª classe e o pai já lhe havia prometido que, caso ele se desse bem, compraria uma nova junta, de bezerros, para ele ensinar e fazer uns fretes ou trabalhos na lavoura para fora! Haveria de amealhar assim uns tostões para as suas “estroinisses”. Mas isso seria a concretização no futuro que ansiava fosse próximo. Por agora, iria guiar os bois enquanto o pai gradava a terra e, agarrado ao rabo do arado, enterrava as sementes depois de espalhadas pela terra fazendo assim as marjas para o pasto. A Maria seguiu-lhe no encalço, não sem antes ter posto a panela de ferro, de três pernas, com feijões ao lume, pendurada pela argola no cambeiro, e lhe ter achegado um bom grafado de lenha para que eles se cozessem e estivessem prontos para masturar logo que chegassem a casa com o trabalho feito. Logo que chegou ao fojo, parou os bois fora do caminho, na cabeceira da terra, mesmo junto ao poço de engenho. Retirou a chavelha e, enquanto segurava o toiço do carro, pediu ao filho que puxasse os bois para a terra. Poisou o toiço. Foi ao arrecabém do carro e agarrando a grade. Levou-a para junto dos bois, próximo das pernas. Veio novamente ao carro e, pegando no taimão, levou-o para o mesmo local, unindo-o com a chavelha á canga e depois ao triângulo da grade. Estava assim o conjunto completo outra vez. Bois preparados para desempenhar nova tarefa: puxar a grade de dentes de madeira com que iria desfazer os valados que demarcaram e mantiveram a água junto aos pés de milho que a terra havia criado, espigas que tinham já sido colhidas e debulhadas, estando o milho ainda em sacos, guardado na casa da eira, para apanhar ainda mais uma sesta e ficar c’ma ossos e ser arrumado depois na caixa, garantia de pão para toda a família e comida para as galinhas e farinha para o porco, durante todo o ano.
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