segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Só nalgumas partes do percurso, usavam tamancos, andando normalmente de pé descalço!

Segunda-feira, manhãzinha cedo, ainda o sol dormia a bom dormir, abandonavam o leito, vestiam as alças de cotim, a camisa de flanela, punham uma gorra na cabeça, o saco de sisal ao ombro e, chegado que era o camarada, punham-se ao caminho que ainda tinham que calcorrear uns bons sete quilómetros, sempre através de areia pelo meio da mata até ao moirão onde tinham deixado atado o seu moliceiro, lá no Cais do Areão. Os tamancos nos pés, só eram usados enquanto caminhavam por terreno mais ou menos seco, e logo que entravam na mata eram colocados também dentro do saco, á mistura com “a mantença para a semana”. A semana anterior tinha corrido bem, também do corpo lhe tinha saído, mas tinham descarregado quatro barcos de moliço verde, apanhado ao arrasto com vento de feição, e um de arrolado, muito perto do curral do porco, depois de terem saído do Cais na Segunda-feira com uma barcada de batatas e tê-las ido descarregar muito próximo de Ovar. Vai dando Deus a mão a quem o teme e apela! Pelo caminho falavam da vida, do tempo, do frio e da caipora que se avizinhava se assim continuasse a cair geada desta maneira, não haveria novidade que imperisse. Bem sabiam que o frio era “nassairo pa matar alguma bicharada” mas já ia sendo alturas do tempo melhorar e permitir que as pessoas agarrassem outro semblante menos carregado. E chegaram ao bico da mata do Norte. Ali se descalçaram, arregaçaram as calças até por cima do joelho um pedaço e fizeram-se novamente á água atravessando a segunda corrente. Que gelo! Mas já não era a primeira, pois idêntico serviço tinham feito algum tempo antes para atravessarem a primeira corrente dos fojos. Agora rumariam sempre em linha subindo e descendo dunas por entre pinhal vasto, sem nunca perder o Norte, caminho que os levaria directamente á casa do Guarda, já próximo do Areão. Mas até lá, muito tempo ainda mediava. De quando em vez, uma ave nocturna fazia ouvir o seu silvo, esvoaçando por cima deles como que a querer amedrontá-los. Mas a sua determinação e confiança eram inabaláveis. Passo certo, conversa educada e respeitadora, fazia-os tratarem-se mutuamente por “vós”. “Vós para aqui… vós para ali…” Davam uns aos outros tratamento senhorial de sabor e cariz profundamente popular, vernáculo! Sinal evidente de “educação” esmerada e atenta por parte dos progenitores e todos os que na mesma sociedade estavam inseridos que, pelo exemplo e sempre só pelo exemplo, os influenciaram nos tempos de meninice!

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