… nunca ninguém os ouviu ralhar um com o outro!
Sessenta anos de vida em comum e, nunca por nunca ser, se ouviram as suas vozes em tom mais elevado. O respeito era e é mútuo. E frutificou!
Nunca os filhos os ouviram trocar palavras azedas.
Também nunca se deitaram na cama sem estarem de bem um com o outro e cada um consigo próprio.
Mas… vida que não é ralhada… não é governada! Ditado popular algo agressivo.
Entrar no campo dos ralhos, da troca de palavras, do dizer sem pensar e depois vir a arrepender-se do que foi dito, é perder o respeito, é faltar ao respeito, é agredir aquele sentimento que os uniu: O Amor!
Nunca se deitaram na cama sem estarem de bem um com o outro! É verdade!
E sorriem quando lhes faço, repetida, a pergunta, tentando que se descaiam na afirmação e me deem a conhecer episódios, quiçá caricatos, da sua vida em comum!
Mas… vê-se firmeza nos seus olhos! Pequenitos, reduzidos no tamanho pelo sorriso espontâneo e pelas rugas, vincas da pele, macias, vazias de carnes rijas por dentro, aveludadas, que se formam ao canto do olho e seguem rumo á orelha, direitinhas ao cotulo da cabeça.
Ela dá-lhe a mão e diz-me, olhando-o olhos nos olhos, como que a pedir assentimento/consentimento para a afirmação que vai fazer. Vê-se nele igual reação e, olhando-me então ambos, francamente, pronunciou: “Guardávamos tudo para a noite. Sentávamo-nos na beira da cama e passávamos cada hora, cada minuto daquele dia, a pente fino! Enquanto um falava, o outro parecia ouvir atentamente. Nunca valorizámos palavras proferidas sem pensar nem atos irrefletidos.
Mas reconhecíamo-los!
E sabíamos muito bem que duas cabeças, são duas sentenças, mas tem que haver entendimento para que haja uma só solução!
Parecia-nos! Disseram em uníssono! E largaram um sorriso de cumplicidade!
Este costume velho ainda hoje o praticam e só deixará de acontecer quando um dos dois partir!
Não sabem adormecer sem ouvir, embora baixinho, a voz um do outro e, também verdade seja dita, sem fazer a sua oração em comum, sem se lembrarem dos filhos, netos e bisnetos e de falar das empreitadas para o dia seguinte: continuar a viver o mais felizes possível!
Foi uma vacina que nos comprometemos tomar todos os dias da nossa vida, sempre ao anoitecer, mesmo antes de deitar.
Vês por que motivo nunca ninguém nos ouviu ralhar?
E queres saber quantos beijos já demos um ao outro? Questionou-me ela, sorrindo “de safada” como que a estudar a minha reação á pergunta.
Na verdade, esperava tudo menos essa questão.
Não penses muito, veio eu em meu auxilio. Tudo muito simples e não erro nem tu tens dificuldades em fazer as contas. Nunca adormecemos sem um beijo de perdão, nem nos levantámos sem um bom dia dado dessa forma!
Conta fácil de fazer. E não sei se sairá errada quando um dos dois partir…
Fiquei surpreso e admirado com tanta certeza. Donde proviria tamanha e tanta compreensão? Fermento bem doseado e massa amassada sem pressas… diálogo constante e mesmo patamar de saberes! Objetivos bem definidos, amor a rodos, perfeita divisão de tarefas e assumir de compromissos. Total e constante empenhamento na resolução de problemas e busca de soluções para os entraves da vida!
Se choraram? Claro que choraram! Ainda hoje choram… de prazer! Choram de saudade! Choram porque sabem muito mais agora do que sabiam há sessenta anos e… manifestam assim a alegria de ter havido um feliz acaso que os juntou e uniu para sempre…
Se fosse hoje? … a primeira coisa que fazia era pedi-la logo em casamento,… para prolongar mais a felicidade!
Sorriram embebecidos, deram um beijo e despediram-se de mim com um “ Deus te abençoe!”…
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