sábado, 5 de outubro de 2024



 O alinhamento dos poços nos terrenos das redondezas, deram-lhe uma ideia quanto ao local que lhe parecia melhor para abrir o poço. Esta era também a ideia do Ti Jarolmo, mestre que iria fazer o balseiro. Seria com toda a certeza a localização dalgum veio de água que os alimentava a todos e lhe daria a ele também a possibilidade de fazer com que o terreno produzisse mais fartura pra casa.

…o ano ia de feição para este trabalho. Muito seco, e o nível freático estava bem fundo, fato que permitiria levar o poço bem lá para baixo, pró quinto dos infernos.

Há dois dias juntaram-se seis valentes (Ti Manel, os dois filhos e os compadres!) e marcaram e fizeram a escavação, com a junta de bois, jungida pela canga e ligada por forte tirante ao rodo. Guiava os bois para a frente e para trás e o filho manobrava o rodo, arrastando-o para trás e garantindo que se mantinha em posição de rodar a areia, pela força dos bois, para o monte algo distante do local do poço, no sítio onde o ti Jarolmo marcou para que ali fosse construído o balseiro para o poço que queria viesse a dar água para regar o quintal que tanta fartura dava e onde a filha tinha construído a casa. E que bonita que ela estava!

A data do casamento aproximava-se e Ti Manel fazia questão que tudo estivesse perfeito para dar bom princípio de vida à filha e futuro genro. Até já tinha apalavrado uma junta de bezerros e uma vaca cheia para lhe meter no curral.

O compadre estava disposto a fazer-se brioso e estavam a dar-se muito bem.

Vezes sem conta disse à filha que apanhasse tino na cabeça. Que não se deixasse ir em lérias pois quem casa fora, ou engana ou é enganado. E ela, nesse aspeto, deu-lhe oividos. Honra acima de tudo. Honra e respeito pelos pais e seus conselhos. Estava muito satisfeito com a escolha acertada que a cachopa tinha feito.

E o compadre era da mesma opinião! Já tinham ido ao Samoical cortar três pinheiros barcais, cheios de cerne, e ido com eles á fábrica ao Cabeço, cortá-los como mandou o Jarolmo, mestre na arte de construir o balseiro e outras alfaias, nassairas para uma casa.

Era também ele quem iria construir um carro de bois, um de três rodas e um de mão para apetrechar a casa.

Era o monte de madeira que se via empilhado mesmo junto à escavação onde era para fazer o poço. Eram barrotes, tábuas, umas mais finas que outras, que aguardava as mãos do mestre para obrar o balseiro e, feito este, dar em afundá-lo e levá-lo à água, tão fundo quanto possível para que não faltasse o precioso liquido nos momentos fortes do verão e a seara se não ressentisse.


E o mestre Gadelha chegou. Bem cedo, munido da sua enchó, serra de mão, martelo e buaneiro para por os pregos, a primeira coisa que fez foi marcar o eixo do poço para começar a assentar a cambota que iria suportar depois toda a estrutura do balseiro, sobre o qual seria então assentes os adobes, quase dois mil que ali descansavam também à espera de serem agilmente assentados por mãos de mestre de obras, gente que sabia o que fazia.

Ti Manel, o compadre e os filhos prestaram-se a servir o ti Jarolmo, colocando-lhe á mão, o material que lhes ia pedindo.

Colocaram no fundo, muito próximo do meio exato do poço, uma burra para ser suporte da madeira a cortar à medida exata.

Ti Jarolmo começou por cortar algumas tábuas, das mais grossas, que achava compridas, para fazer a cambota, redondinha.

Passou depois, com lápis que tinha atrás da orelha, a fazer as marcações tendo em vista os cortes para a junção das tábuas.

Feito este anel, pediu bocados de tábua com meio metro de comprimento e enregou a prega-los de maneira a unir as tábuas inicialmente colocadas.

Feito este trabalho, deu início ao corte dos barrotes, com um metro de comprimento e cortes nas pontas em meia esquadria. Á medida que ia cortando, ia-os colocando, formando um “xis” assentes e pregados na cambota.

Este trabalho realizado, houve necessidade de fazer novo anel, também com tábuas grossas para, à semelhança do primeiro, assentar sobre os barrotes e fixá-lo convenientemente com pregos. O poço tinha quatro metros de diâmetro, certinho nas medidas, medindo fosse de que ponto fosse da cambota, conquanto que passasse sobre a estaca que assinalava o meio.

Estando feita esta roda gigante, o esqueleto do balseiro, Ti Jarolmo, começou a cortar tábuas, ligeiramente mais finas que as primeiras, com um metro de comprimento e, munindo-se da sua enchó deu em afiá-las numa das pontas, pregando-as depois aos aros, do lado de fora destes, com a parte afiada para baixo e a mais fina virada para dentro. Andou neste trabalho dia e meio… e o balseiro ficou pronto para se poder fazer o poço…”

"...no dia apalavrado, manhãzinha muito cedo, Ti Quintino aparece com a sua junta de bois, animais de porte e respeito, com uma carrada de paus de meda, roldanas, e gamelas de ferro, (umas bacias quase quadradas, com eixo, que serviriam para receber a areia no fundo do poço e transportá-la até ao cimo, ao ritmo do mandador e montaram as caçambas) e cabos/tirantes.

Questionou o Ti Manel acerca do ponto onde queria que a areia fosse amontoada e deu inicio à montagem do seu aparelho.

Um estrado de tábuas assentes em dois pinheiros fortes, estrado este que permitia o trabalho de um homem caminhando sobre ele e manobrando o pau da roldana por onde passava o cabo de aço que ia ao fundo com a gamela vazia e a trazia cheia de areia para cima.

Enquanto ti Quintino montava as caçambas, os bois, amarrados à roda do carro, iam comendo um feixe de palha para darem o litro quando tal fosse nassairo.

É que eram estes que tinham a incumbência de, num vai vem constante, para a frente e para traz, dar que fazer aos homens que andavam no fundo a cavar e encher as caçambas. Também já estavam habituados pois era esse o seu trabalho quase diário…

O pessoal ia chegando e Ti Manel ia pedindo aqueles que lhe pareciam mais rijos que fossem para o poço, formassem equipas para cada enxada (um ao olho outro ao cabo!) e dessem inicio a amontoar a terra no meio do poço. Assim formou cinco pares e mandou os filhos lá para baixo para, com enxadas e pás, encherem as caçambas, não dando parança aos bois.

Sobre o estrado, estava um homem jovem, rijo e fero como convinha, para rodar a vara guia com a gamela, tendo todo o cuidado para não magoar nenhum homem lá em baixo, nem cá em cima às mulheres que, munidas com enxadas, tinham por missão arredar para traz a areia que um outro homem descarregava, revirando a gamela, num frenesim constante.

Começou a sair areia branca e depositaram-na à parte. Logo ali se deu início ao amassar da cal e o mestre foi para cima do balseiro receber a cal amassada, espalhá-la convenientemente sobre o balseiro e depois assentar os adobes. É que assim tornava-se mais fácil fazer com que o mesmo se fosse enterrando e impedindo que a areia lateral fosse caindo para dentro do balseiro.

A água começou a aparecer aos dois metros de profundidade, um remijo muito pequeno, mas não havia barro nem palhão, sinal de que poderia ser um bom sítio de nascente. Não era esta água que ia dificultar o trabalho dos homens…

Quando deu o meio dia, Ti Manel deu ordens para todos subirem pois a Maria estava a chegar com a panela das sopas e havia necessidade de aproveitar o tempo para deixar o poço emparedado.

Ti Quintino libertou os bois do cabo que os ligava às caçambas e, mesmo com a canga no cachaço, foi pô-los à sombra, amarrados a um pinheiro e com um feixe de palha na frente. Era o seu almoço.

Assim se fez e, pouco tempo depois, todos estavam sentados na manta de retalhos e nas esteiras corridas, com um prato no regaço, comendo avidamente umas ricas sopas de feijão seco, masturado com batatas, coives e um punhado de arroz, cultivado nos alagamentos do Chão Velho, e uns nacos de toicinho do porco que mataram no S. Martinho.

Não faltou o garrafão do parreirol para animar e dar força aos braços…

Quando voltaram ao trabalho, iam mais animaditos pois o descanso durante o almoço soube-lhes mesmo bem.

Voltaram aos seus lugares e a faina voltou a acontecer. Ainda tiraram meia dúzia de gameladas de água para cima, mas mesmo essas também traziam areia.

Com cinco fiadas de adobes em cima do balseiro, a coisa começava a tomar forma de poço. A água agora fervilhava de todo o lado, para alegria do ti Manel. Não dava parança aos homens, nem Ti Quintino aos bois!

E assim andaram até perto das sete horas da tarde…”

“…e adaptou uma zorra à grade para, com os bois, achegar a areia para junto das paredes do poço. A restante seria carreada para as partes mais baixas da terra, tornando-a assim toda nivelada e melhor de trabalhar.

Agora urgia ir à cata de quem lhe fizesse um engenho em condições e lho prantasse no poço antes do verão do ano que vem. E assim fez. Falou com os amigos, num dia em que se encontravam a beber um copo na taberna, e concluiu que não seria má ideia falar com o Leonildo e apalavrar tal arte.

No dia seguinte deslocou-se, bem cedo, à oficina do Leonildo e falou com ele. Combinaram ir ao poço para tirar medidas. Acordaram que a corrente seria dupla, mais carote mas muito mais forte e segura. O poço tinha quatro metros de diâmetro e quase seis de fundo.

Era um poço em condições e tudo levava a crer que água nunca ali faltaria. Dava para ele e para os vizinhos que dela se quisessem servir, recebendo por esse fato uma eventual renda com que não contava!

Sabia sempre bem arrecadar duas ou três rasas de milho, a mais que o que cultivava em cada ano.

Leonildo, mestre na arte do ferro e latoaria, deu de imediato inicio à construção do engenho. Primeiro as rodas, horizontal e vertical. Indicou-lhe onde poderia ir arranjar duas vigas de ferro, carris de comboio uma com o comprimento de quatro metro e meio e outra com o comprimento de quatro metros.

Alertou-o também para que não esquecesse a passagem, em tubo largo e resistente, para ser pisada pelo gado e deixar passar a água da almace. Quanto às vigas, podia até transportá-las para tão perto do poço quanto possível, tinha lá bom espaço, e assim, não tinha depois continas para as movimentar para o local onde iriam ser aparelhadas e depois colocadas sobre as paredes do poço como convinha.

Ainda outubro não tinha acabado e já o Leonildo o avisou que estava o engenho pronto para ser colocado no poço, com corrente e tudo.

Ti Manel também já tinha no quintal os carris para o suporte do engenho!

Só faltava acabar de fazer os alcatruzes e a almaça.

Ti Manel apressou-se a falar e combinar com os filhos e mais alguns amigos, o momento em que iriam assentar as vigas nas paredes do poço. Aquilo era trabalho que requeria força para as movimentar e colocar no sítio. A mais comprida ficaria exatamente no diâmetro do poço (a parte mais larga deste, parede a parede!) e a outra ficaria a norte a uma distância de um metro da primeira.

Leonildo mandou-lhe um mancal duplo (horizontal e vertical, em simultâneo) e um simples para que o colocasse no meio da viga grande do poço. Ele depois fixá-lo-ia de modo a que recebesse as duas rodas do engenho, fixaria o paralelismo das vigas com uniões de ferro, que as não deixariam tombar nem reduzir ou aumentar a distancia entre si.

Passada uma semana, surge um poço com um engenho novinho em folha, todo pinchado como deve ser, faltando somente os alcatruzes e almace. Só lhe faltava mesmo um animal para por ao cambão!…”

 

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