sábado, 1 de novembro de 2025

 Por falar na Gândara...

Ti Manuel parou. Com ar de cismador entranhado pela idade, fala pausadamente e diz-me: Mas tu queres mesmo que eu te conte o sonho que tive? Calou-se e, como eu fiquei boquiaberto olhando-o nos olhos, disse-me com simplicidade:

Abriu-se a Arca do Tempo!

Uma chieira persistente, enquanto o movimento de rotação sobre os gonzos se fazia sentir, incomodava-me finamente a audição, um misto de sons agudos e graves, desconcertados, fazia-se ouvir e suspeitar do conteúdo pelo muito tempo passado desde que a abri pela última vez…

Era o meu segredo!

Pela fina frincha, entre a tampa e a borda da caixa, saiu de imediato um enorme espaço, volúvel, como que um bálsamo inebriante que gostosamente me envolveu e transportou através do tempo, para tempos imemoriáveis, dando-me uma sensação de prazer indelével, que gostosamente abracei e, de sorriso sublime, nele embarquei…

Surgiu-me, ao longe, um SOTÃO DE MEMÓRIAS.

Sabes, aquele espaço por cima da casa da arrumação e do pátio, com frestas entre as tábuas, sítio onde o sentimento se expande, onde o dar é antagónico, onde o saber se desenvolve e dilata, onde a troca é possível e desejável.

Toma atenção que é condição básica e necessária, para utilização e usufruto daquele sítio, a necessidade de partilhar e trocar conhecimentos!

Na Gândara tudo trocamos! Batatas por fruta, influências por trabalho, tempo por tempo, trabalho por trabalho, saberes por sabores, sorrisos por sorrisos, amizade por nada, e, no fim, quando nos dispomos a dar desinteressadamente, verificamos que recebemos muito mais do que o que demos e saímos mais ricos do que entrámos!…

Ali estava saliente o orgulho na minha origem! Naquele tempo, não havia rico nem pobre. Todos eram remediados. Alguns mais bafejados pela sorte que outros é certo. Estes outros, de sorriso mais pronto e espontâneo, eram os que menos se incomodavam com os bens materiais, mas trabalhavam de sol a sol para que o pão nosso de cada dia lhes bastasse, a eles e aos familiares!

A genuinidade está por todo o lado. Riqueza sublime, conhecimento profundo da realidade e forma de vida.

Todos, mas todos mesmo, vibravam com os acontecimentos inusitados que afetavam cada um e todos os elementos que integravam o grupo/sociedade de que faziam parte.

Respeitavam-se mutuamente! Uniam-se em torno de projetos e objetivos comuns. Criaram “róis” para acudir na desgraça. Era a sua forma de garantir ajuda e apoio. Alcançavam a felicidade lutando e construindo pontes, assentes em sólidos muros que todos utilizavam para ir mais além rumo á felicidade e deixando, á passagem, desbravados caminhos para simplificar e facilitar a passagem aos vindouros…

Eram solidários do nascer ao morrer!

Não havia acontecimento, por mais discreto que fosse, que não alegrasse ou entristecesse toda a Comunidade. Olha que eu tenho histórias… e calou-se mais uma vez, absorto em pensamentos felizes, tal era o seu semblante. Fiquei parado e ele continuou o caminho, íamos agora no Carreiro da Fonte, aquela estrema entre terras, a par com a caleira de água construída em adobes pelo Silvério, mesmo perto da Fonte da Meneza. Ali me sentei até que ouvi o chamamento: Então? Ficas? E lá me fui no seu encalce. Chegados á Fonte, ali nos sentámos e a conversa continuou.

Como te disse no meu tempo era-se solidário do nascer ao morrer. Todos os acontecimentos eram motivo para coisas sérias! Manifestações de carinho e apoio eram uma constante. Olha que ninguém passava por ninguém que o não saudasse, fosse a que horas fosse do dia, conhecesse-se ou não! Os desejos de paz e alegria não custavam nada a dar e agradavam muito a quem os recebia! Não fui educado para andar de mal com ninguém, nem eu nem os do meu tempo!

Se andávamos sempre alegres, bem,… fazíamos por isso

17JAN17

… Foge-me a inspiração. Isto de estar algum tempo parado emperra toda a engrenagem e o mais fácil vem ao de cima: não fazer nada, nem pensar!

Matuto, matuto e, nada me ocorre que possa prantar no papel para dar a conhecer ou relembrar.

Tanta coisa que ainda não abordei e tenho a cabeça oca, vazia de ideias e quase de pensamentos, memórias mais velhas que se evadiram, eclipsando-se. Arrumadas nalgum canto com certeza até serem movimentadas e fluírem como dantes…

…DesCristianizamo-nos com facilidade! Tu vais ver que daqui a vinte ou trinta anos, aqueles que agora engrossam os grupos da 2ª visita começam a sair da terra e nem “a porta à Cruz abrem”. Não é porque não tenham vontade, não. O que lhes falta é coragem para arrepiar caminho e ser mais moderados, contendo-se mais com as aparências que agora ostentam.

Mas que é bonito, lá isso é. Olha que a alegria é contagiante. Noutros tempos a algazarra provinha dos gritos da criançada a ver quem mais amêndoas apanhava, daquelas que, o Ti Justino, quando se “alembrava”, atirava á pelagem nas salas, na rua onde havia crianças… Como uma mão pequena, escassamente cheia de amêndoas (Amêndoas? Amendoins descascados e recobertos com açúcar!) Mas até isso se perdeu. Ainda não consegui perceber se foi por incapacidade económica, se porque deixaram de fazer o produto, se… por falta de vontade de alguém, o que se sabe é que, nós, algo mais responsáveis, assinamos de cruz com muita facilidade, aceitamos e seguimos os exemplos. É isso mesmo que estás a pensar…

15DEZ18

…e não quero nada. O pensamento foge-me, vagueia no infinito e nem rasto deixa. Assalta-me a necessidade de criação da Unidade de Socorro do Seixo: “US do Seixo”. E para que fim? Quem pode integrá-lo e que missões irá desempenhar? Prevenir? Aprender? Sonhar? Saber? Executar? Batalhar? Ensinar? Mitigar!

E começam as críticas a surgir. É claro que sabíamos o risco que corríamos. Mas também é claro que, se fosse de outra forma… aconteceu de forma diferente! E… fizemos o que devíamos, o que estava ao nosso alcance e… fizemos bem.

17SET18

Um som contínuo e algo agressivo faz-se ouvir incomodativamente. É a máquina a mover a água para o sistema de rega das culturas. Sentado no trator, de frente para a aspersão, descansa o corpo e a mente ocupa-se em busca e ordenamento de ideias para registar no papel.

Muita coisa me passa pela cabeça. Começo a querer acreditar que já não sou assim tão novo como julgo, tendo em conta os ditos dos que comigo contracenam nesta labuta. Mas o meu espírito não se sente cansado e nem a vontade me ordena que baixe os braços. Quero manter-me ativo, corpo e mente, para a luta contra “o alemão”. Estou em crer que, se lhe não der guarida voluntariamente, á força também se não instalará neste sítio, o meu corpo. Gosto do trabalho, seja ele qual for. Nasci para isso e acredito piamente que, quem como eu nasceu para trabalhar, nunca passa faltas mas também não vai arranjar Fortuna.

Não te recrimines pelo que não fizeste! Assume o facto.

É oportuno e dá para corrigir? Não olhes para trás. Fá-lo e…repensa atitudes!

Recordações são alicerces firmes do futuro se o presente neles se fortalecer e as valorizar!

Os Gandareses são admirados, íntegros e de bom coração! Possuem ética e admiração. Tendo vidas efémeras, deixam obras eternas.

Sem comentários:

Enviar um comentário

Arquivo do blogue