
(…)
…ludibrio pouco depois o Ti Maná, lavrador de sete costados, calças arregaçadas pelo joelho, vara de aguilhão e “relhada” ao ombro, guiando os seus bois, chamando-os pelo nome que lhe pôs: cabano e amarelo. O cabano é o da esquerda e o amarelo o da direita. Bichos possantes, bem tratados, puxam o carro que, umas horas antes haviam levado carregado de moliço e passado exactamente por este caminho. Descarregou nas Moitas Altas e vai agora em direcção a casa afim de trazer charrua e arado, pois o tempo está criador e a terra pede pão. Parará somente o tempo suficiente para engolir duas bocadadas e dar aos animais uma gabela de pasto, sim que eles também precisam. Tem de dar um avanço na terra pois além de grande, está lenta, precisa ser aberta para corar e receber as sementes que há-de reproduzir.
Acompanho-o por momentos, o tempo suficiente para que me convide a acompanhá-lo amanhã bem cedo (quando o sol se levantar, há-de apanhá-lo já e aos seus bois, muito próximo do Cais do Areão, local onde terá carrego de novo para os animais). Declino o convite, mas prometo dois dedos de conversa junto ao Cruzeiro no domingo á tarde.
Com um “Vai com DEUS” e “que DEUS te guarde” separamo-nos no espaço onde outrora, á tardinha, se projectava a sombra das paredes e torre da Igreja (já velha, simples, pequena, mas linda!).
Ele, lá segue o seu rumo, passo com cadência constante. Eu, encaminho-me para a Fonte da Meneza, quero apanhar ali o carreiro que me levará ás Sardas e dali talvez dê um salto até ao Fojo.
Ainda distante, “alcervo” mais um carro de bois que, ao som do chiar do eixo nas rodas, se vai deslocando como que sobre carris, rumo certo e bem definido, sob a batuta (leia-se vara com aguilhão e relhada) manuseada pelo Ti Reboco. Espera vez para entrar em casa o Ti João do Russo com a sua junta e já o Ti Amândio Oliveira deu entrada no seu pátio guiando pela soga os seus animais. É tempo de labuta, labuta que aliás é uma constante para todos.
Ti Reboco, Ti Maná, Ti João do Russo e Ti Ribeiro foram os últimos agricultores do Seixo que se aventuraram na lavra do oceano!... Perdeu-se daí para cá a arte de Xávega genuinamente praticada no que respeita a utilização de bois para puxar as redes que são largadas em pleno oceano pelas Xávegas, barcos de pesca artesanal utilizados na nossa costa…
Da minha direita ecoa bate-bate, oco, cadência firme e constante. A curiosidade aguça-me o apetite e espreito por uma frincha existente entre as tábuas do grande barracão.
É um estaleiro.
Manejada pela mão firme do Ti Manuel Gadelha, cai certeira a enchó que prepara as tábuas para novo barco moliceiro (ou será mais uma Xávega para o Oceano? Barca de certeza que não é, pois o esqueleto da proa vislumbra-se já altivo!)
Continuo o meu caminho e paro frente ao Cruzeiro.
O único “monumento” existente na nossa terra até há bem pouco tempo… é lindo. Todo ele em pedra calcário, constituído por quatro colunas redondas encimadas por meia calote e sobre esta, uma esfera do tamanho de uma bola de futebol, também de calcário. Alberga um Cristo crucificado. Encontra-se rodeado por “grade de pedra calcária” e em cada um dos quatro cantos, outros tantos marcos redondos, quais guardiães atentos a todas as rodas de carros de bois e vacas que se aproximem, sempre disposto a receber e repelir os eventuais ataques dos clarins metálicos destas rodas protegendo assim a vedação do cruzeiro (ainda me não deram uma razão que justificasse a construção de tal monumento. Suponho que, já que é designado por Cruzeiro da Restauração, tenha sido uma forma de o nosso Povo manifestar publicamente o seu patriotismo, a sua gratidão e forma de apoio ás lutas, então travadas, tendo em vista a recuperação da Independência Nacional).
Que narrações poderá ele contar? Que ocorrências testemunhará e relatará aos vindouros? Ficam as perguntas no ar … e cá me vou andando...
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