
Tenho razões para ser gandarês : Sou neto da "Ti Manca", do "Ti Zé da Domingas", da "Ti Alzira da Reboca"! Forma simples que encontro para com eles dialogar, fazer com que nunca sejam esquecidos, que os meus filhos, amigos e todos os que a este blog se desloquem, deles se lembrem. Deles e doutras personagens a quem me curvo pela sabedoria, pela forma de vida, pela maneira de estar, pela influência que em mim tiveram, pelo sorriso que ainda ostentam nas imagens que os perpetuam no Campo Sagrado.
quarta-feira, 6 de janeiro de 2010
É dia de Reis (há mais ou menos 40 anos!)
… muito cedo. Logo que ele chegou da primeira Missa, fez-lhe o pedido a que o pai acedeu de imediato. Foi com ele ao fundo do quintal, apanhou uma cana e limpou-a das folhas com a navalha que sempre o acompanha no bolso.
Era muita a alegria do miúdo! Já ia levar uma cana aos Reis, sinal evidente de que já estava crescido!
Em amena e cordial cavaqueira lá chegaram á cozinha onde a mãe se encontrava já e tinha tirado uma chouriça da vara da chaminé, limpou-a e, sem lhe cortar o fio que unia as pontas, colocou-a em cima da mesa. Juntou ainda uma pada de pão alvo e pediu ao pai que fosse á adega encher uma garrafa, das pequenas, de vinho e ao quintal buscar um ramo com duas ou três laranjas das “de imbigo”.
Foi só colocar estes manjares numa das pontas da cana, amarrá-las com um fio e estava feita a sua oferta, prontinha para pôr ao ombro.
… já ali passou o cavalo dum rei! Gritou do pátio onde se encontrava.
Vamos depressa senão chegamos atrasados!
Fffshshshshshshsshshsh….pum, pum, pum, tróis, tróis, pum, pum!
Rompe de imediato suave melodia originada pelos acordeões, violas, cavaquinhos, banjo, bombo, ferrinhos, requinta e afinadas vozes entoando o “Alegrem-se os céus e a terra…”!
Em duas filas enormes, paralelas, uma de cada lado da estrada/rua, desde a casa do “Zé Maria Tarenta” até para lá da casa do “Ti Rei” alinhavam-se os miúdos e rapazes com canas ao ombro e as cachopas com assafates, latos de milho, abóboras, campos de cebolas á cabeça. Trajavam roupas e festa, garridas, irradiando alegria. Imediatamente atrás destas filas, encontrava-se a tocata e o grupo coral. Mas que afinadinhos…!
E já lá vinha, pomposamente instalado no seu cavalo branco, o Rei Gaspar. Que brio! Que orgulho!
Dali até ao Largo do Zé Velho, que alegria contagiante! Que caras bonitas (todas de pessoas idosas que já não tinham pernas para acompanhar o cortejo!) mostravam a sua alegria pronunciando palavras de apreço e concordância…
De vez em quando, fazia-se ouvir mais um Fffshshshshshshsshshsh… pum, pum, pum, tróis, tróis, pum, pum!
Chegados ao Zé Velho, tudo emudeceu! Avançou para o centro da cena o Rei Gaspar, montado no seu cavalo. Dali falou á multidão “Enfim cheguei! Depois de muito cansado, de ter atravessado montes e vales, aqui me encontro só, acampado neste campos de Sincar”.
E eis que surge Baltazar, um outro Rei e depois Belchior, o Rei negro. Dado que “estavam todos para o mesmo fim” encetaram jornada em conjunto. Qual dos cavalos mais garboso?! Qual dos Reis mais senhor do seu papel?!
Arranca a música e os cânticos e ala até á porta do Ti Armando Capeloa onde se encontram instalados Job e mais três pastores. Lamentos, revolta, desânimo nas palavras que compõem o discurso apresentado. De entre a multidão, surge um anjo que entabula diálogo com os pastores, os anima e lhes indica o sinal que os conduzirá ao berço do Messias. Pastores e anjo engrossam a multidão que procura o Menino e “botam-se” ao caminho.
No João Perdigão, nova paragem! Um moço e um velho fazem fogueira e amassam desalmadamente uma mão cheia de couves para por na panela e fazer o caldo. Lamentam-se da vida que levam, dos impostos a que estão subjugados mas esperam a vinda do Messias que os há-de salvar da escravidão. Eis que o anjo lhes aparece. Fala com eles. Anima-os, indica-lhes o sinal e… dão inicio a ova caminhada.
Fffshshshshshshsshshsh… pum, pum, pum, tróis, tróis, pum, pum novo foguete se faz ouvir e ecoa no ar! Uma vez mais a música e cânticos enchem o espaço. A multidão agita-se, põe-se em movimento e rumam ao Cruzeiro, qual oásis no deserto. Ali chegados, encontram uma caravana Árabe, mesmo junto á fonte de Elias. Ali dialogam Ibraim e Assaf. Ali recebem um discípulo e com ele partilham dos seus haveres, “se santificam”. Ali param os pastores e todos os que os acompanham, incluindo o Velho Semião e seu Moço. Ali aplacam a sede e ali faz ouvir seu harmonioso cântico uma cigana: “Pastorinhos do deserto/ Ao longe ouviram soar/Uma voz que lhes dizia…” Agora até os Árabes avolumam a multidão dos que querem ver o Menino. E todos se metem ao caminho, rumo a Belém de Judá, local indicado pelos Profetas para o nascimento do Messias. O percurso é interrompido pelos soldados de Herodes que ouviu falar dos três Reis e seu brilhante séquito e os faz conduzir ao seu palácio. Ali se fazem ouvir ameaças de “cortar cabeças”! Ali assomam azedumes e se prometem “mares de sangue”. Mas nada acontece. Depois do interrogatório aos Sábios Doutores e aos três Reis, Herodes pede que estes, logo que achem o Menino, lho façam saber para que também ele o possa ir adorar e presentear!
E onde outrora se ergueu uma pequenina mas linda Igreja, foi agora montada uma simples cabana onde se alojou uma Maria de Nazaré aconchegando no regaço um Menino. Adorado e presenteado pelos Reis e todos os que corporizaram o cortejo, eis terminado mais um Auto dos Reis Magos, versão de 2009!
Terminado, não. As atenções voltam-se agora para uma camioneta onde foram depositadas as ofertas transportadas aos ombros e á cabeça e que vão ser leiloadas, revertendo a receita para as obras em curso no Salão Paroquial…
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