
Tenho razões para ser gandarês : Sou neto da "Ti Manca", do "Ti Zé da Domingas", da "Ti Alzira da Reboca"! Forma simples que encontro para com eles dialogar, fazer com que nunca sejam esquecidos, que os meus filhos, amigos e todos os que a este blog se desloquem, deles se lembrem. Deles e doutras personagens a quem me curvo pela sabedoria, pela forma de vida, pela maneira de estar, pela influência que em mim tiveram, pelo sorriso que ainda ostentam nas imagens que os perpetuam no Campo Sagrado.
segunda-feira, 29 de março de 2010
... tirou, vezes sem conta, os tamancos dos pés!
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O pai sempre trabalhou no campo. Fez parte dos ratinhos que cavaram lamas e ceifaram trigo em Murta! Foi carregador nas camionetas de aluguer dos comerciantes do Seixo. Foi adobeiro nas Olarias do Carvalho. Dormiu noites sem fim sobre sacos de sisal em cima das cavernas da proa do seu barco moliceiro, “de meias”! Calcorreou vezes sem conta as inquietas e inconstantes areias das dunas entre o Seixo e o cais do Areão, com outro saco ás costas onde transportava a broa, o naco de carne do porco, morto pelo Natal, as batatas e as couves, guiando-se muitas vezes pelos excrementos deixados pelos animais aquando da sua passagem pelas areias com grandes carradas de moliço, transportado do Cais do Areão para as terras. Atravessou a vau, em noites gélidas de Inverno, as correntes que o separavam do início e fim da jornada em direcção ao Cais. Tirou, vezes sem conta, os tamancos dos pés para os poupar e fazer com que durassem mais algum tempo proporcionando-lhe, assim, os cobres necessários para afastar a fome da sua numerosa prole. Mesmo avançado na idade, foi “a salto” para as Franças, caminhando que nem galego noite alta, sem falar, transportado em carros de gado, misturado com carneiros e ovelhas, sem ter feito mal a ninguém, mas com medo de ser apanhado! E foi!!! A primeira tentativa foi falhada, para si e para os restantes companheiros de jornada, e lá se foram os oito contos de reis, tão dolorosamente arrecadados ao longo dos tempos e perdidos por falta de honestidade do passador! Cantou um poeta popular, numa das rábulas que era costume fazer pela altura do Entrudo esta quadra aos emigrantes que saíam para a França: -
“França, França,
É o que toda agente diz
Mas eu ‘stou desconfiado
Q’ninguém lá mete o nariz!”
E, ironia do destino, o próprio autor da quadra, quase dos últimos a encher-se de coragem, também a alcançou e vê-lo ai vai, rumo a França, como todos os outros que antes cantava.
Disto se lembra o Ti Manel com muita clareza!
...
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