domingo, 13 de março de 2011

… um som familiar,

qual melodia suave e agradável ao ouvido, acordou-o convidando-o a ficar enroscado nos lençóis. Eram cinco horas e meia. Caia uma chuva miudinha, certa, embora de pingos raros, assim como que de molha tolos. Lembrou-se que seria boa altura para ir “pôr buano” às batatas do quintal. Assim fez. Depois de tomar o seu cafezinho, que acompanhou com um naco de broa adubada com manteiga do porco morto pelo S. Martinho, foi ao telheiro, tirou os tamancos e calçou as botas de borracha, fez um capucho com um saco vazio de “amónio” pô-lo na cabeça de modo a cobrir os ombros, agarrou no buaneiro, encheu-o de “buano de pôr por riba” e, logo depois de ter dado milho às galinhas e uma gabela de pasto ao gado, rumou ao fundo do quintal. As batatas estavam todas nascidas, com quatro e cinco folhas,… que linda terra faziam e que boa colheira se adivinhava! Foi até ao fundo do quintal e começou dali a deixar uma pitada de buano junto a cada pé de batateira. Teve que ir ao telheiro mais três vezes encher o buaneiro e repetir o gesto junto a cada pé de batata para correr o batatal todo até ao poço de engenho. Andou naquela faina durante cerca de uma hora e meia. Só então tirou o capucho da cabeça (estava varado com a morrinha que caía e já lhe fazia sentir o frio nos ossos) e começou a tratar do gado todo. Foi primeiro ao curral dos bois, pôs-lhe mais uma gabela de pasto na manjedoura, espalhou-o para um e outro lado para que ambos comessem e, agarrando no engaço, retirou de junto das patas traseiras umas engaçadas de esterco feito, uma mistura de agulhas de pinheiro com a bosta e mijo dos bois amontoando-as junto á porta do curral, do lado de dentro deste, dum lado e do outro como lhe dava mais jeito, pois já era algum o estrume ali depositado todos os dias, na habitual rotina. Foi depois á estrumeira e carregou para junto das pernas dos animais, umas forquilhadas de agulhas, ficando assim aqueles com as camas feitas. Passou então para o curral das vacas e, enquanto a Maria acabava de lhe tirar o leite, colocou-lhe na manjedoura uma gabela de pasto que espalhou por toda a manjedoura, dividindo a comida por ambas as cabeças. As vacas nem tugiram, nem mugiram. A Maria, que se encontrava sentada no banquito e de cabeça encostada aos quadris da Loira, com um teto em cada mão e o lato de folha no meio das pernas, tirava-lhe o leite com mestria, destreza e rapidez, em movimento firmes, descendentes, fazendo com que os esguichos de leite saídos dos tetos entrassem directamente para o lato. Havia previamente lavado o úbere com um pano húmido para evitar que qualquer poeira, esterco ou outra porcaria qualquer entrasse para o lato e fizesse com que a qualidade do leite fosse reduzida e passasse do pasteurizado para o comum ou mesmo para o desvalorizado! Chiça, longe vá o agoiro só de pensar nisso! Só uma quinzena estiveram no rol do comum (os fiscais estavam na leitaria e a Maria, por descuido, não coou o leite, facto que impôs, pela amostra colhida, indícios de inferior qualidade e forçou a sua passagem para um escalão inferior ao pasteurizado: o comum!). Já havia tirado o leita á Malhada e estava quase a acabar o trabalho na Loira. Pouco depois estava ela já com o lato á cabeça, perto de quinze litros de leite dentro dele, a caminho da leitaria da Rita do Ti António, local onde era entregue pelos lavradores e depois recolhido pelas camionetas do Martins e Rebelo, segundo então para Aveiro. A Loira e a Malhada faziam entrar em casa, todos os meses, a quantia correspondente a uma média de vinte e cinco a trinta litros de leite e davam ainda duas crias por ano. A Loira chegou já aos vinte e oito litros e a Malhada andou só pelos vinte e três (diários, no auge da produção!) Sempre foi pago como sendo (e era!) da melhor qualidade. Enquanto a mulher se dirigia á leitaria fazer a entrega, ele acordou o rapaz, pôs o leite a ferver (a Maria já o tinha deixado na pixeira e em cima da trempe, era só achegar-lhe uns tronchos!) e cortou uma fatia de pão escuro, daquele que o padeiro tinha deixado pendurado dentro duma bonsa no portão, colocou-a perto do lume para aquecer e derreter a manteiga com que o tinha untado para que o rapaz tomasse o café. Pouco depois era vê-lo alegre, com um capucho de saco na cabeça e a mala ás costas debaixo deste, rumo á Escola na Baleira das Cabeças Verdes, onde iria passar mais um dia com a professora D. Adélia…

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