
Tenho razões para ser gandarês : Sou neto da "Ti Manca", do "Ti Zé da Domingas", da "Ti Alzira da Reboca"! Forma simples que encontro para com eles dialogar, fazer com que nunca sejam esquecidos, que os meus filhos, amigos e todos os que a este blog se desloquem, deles se lembrem. Deles e doutras personagens a quem me curvo pela sabedoria, pela forma de vida, pela maneira de estar, pela influência que em mim tiveram, pelo sorriso que ainda ostentam nas imagens que os perpetuam no Campo Sagrado.
quarta-feira, 3 de agosto de 2011
Desalservado com as dores,
…
...enroscou-se a um canto da cama e assim ficou a gemer, a gemer…
Nunca tal lhe tinha acontecido. Verdade seja dita que nunca se deu muito ás dores. Mas agora a coisa piava mais fino. Raios partam o momento em que se deixou ir na conversa e não foi logo consultar o Médico. Agora, restava-lhe ficar para ali, enroscado, joelhos metidos na boca, sem se poder mexer… a rezar, coisa de que não é muito devoto, para que o médico chegue quanto antes.
Mas que raio será esta dor que tanto o aflige?
E neste pensamento passaram mais de duas horas, até que chegou á porta da alcova a tão ansiada figura.
Ai Sr. Doutor que eu morro e ninguém me acode! Foi a expressão que utilizou para receber o Clínico.
Bonacheirão, retorqui-lhe o Médico: “Se era para isso, devias ter chamado o Prior Carvalhais, avisado o Júlio e contratado o Toino Rei, para que o serviço ficasse completo”. Mas lá avançou. Pousou a mala de couro preto, esgaçado, qual alforge onde nada falta, tirou o casaco, que pendurou nas costas de uma cadeira, e deu duas dobras em cada manga da camisa. Abriu a mala e retirou da mesma os auscultadores e colocou-os ao pescoço. Tirou depois o esfigmomanómetro e ordenou-lhe que se sentasse.
Ai Sr. Doutor que não posso. Ai que vou morrer, Sr. Doutor, lastimou-se!
Hás-de morrer, hás-de, mas eu não vim cá para te certificar o óbito. Estou aqui porque me chamaste e te vir assistir, não para te encomendar a alma. Não pertença aos correios para te despachar, nem faço entregas ao domicilio. Portanto, levanta-te lá e senta-te na borda da cama.
Gemendo e muito a custo, lá se sentou, obedecendo. O médico mandou que se calasse e começou a escutá-lo. Primeiro no peito, depois nas costas.
Tosse lá rapaz, tosse. E ele assim fez.
Ai que estou tão inchado Sr. Doutor. Ai que estou tão inchado! Isto é malzinho ruim que me deu ou então grande camada de olhado que me botaram.
Mandei-te tossir, replicou o médico, não te mandei queixar nem sou bruxa para te mezinhar…
Ora vamos lá a deitar-te agora. Isso, de barriga para o ar. Dá cá o braço. Arregaça a manga, quero medir a tensão.
E de imediato, abrindo a caixa do esfigmomanómetro lhe colocou a braçadeira no braço, ajustou-a e colocou o estetoscópio no sangradouro, debaixo daquela e deu em bombar ar para a braçadeira, não sem antes ter colocado os auriculares nos ouvidos e ter pedido silêncio…
E foi um minuto sepulcral…
Quando acabou tal observação arrumou o material, deu inicio a uma rápida palpação no baixo-ventre até que, depois de por os dedos no lado direito do abdómen, pressionou e retirou rapidamente.
Foi ás nuvens e voltou a vir ao mesmo tempo que soltava um grito lancinante. Ai Sr. Doutor que me matou! Ai Sr. Doutor que me matou!
Franzindo a testa, disse -lhe: não que ainda falas e gritas bem alto alma dum raio! Tu não te ouves? A tua mulher quando pariu os filhos gritava mais baixinho que tu!
Vá arranja-te lá como puderes, mas depressa, porque vamos já para Ílhavo arrancar essa apendicite.
E assim se fez. Ele próprio o amparou e ajudou a entrar no seu VW e o levou até ao local onde foi intervencionado…
Eram assim os doutores antigamente! Que saudades tenho dele e que gratas recordações se perfilam na minha mente...
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