sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

...Foi ás sortes. ...fungou e soluçou...rastejaria até aos pés de Nª Senhora se saisse com vida de tal aventura...

Sentou-se no rebate da porta e assim permaneceu durante grande parte da manhã. Pela cabeça passou-lhe o filme de toda a sua vida. Os momentos mais marcantes teimavam em demorar a passar! E ele que tinha tantos! Uns bons, outros nem tanto! E recuou mais de sessenta anos… Com muita clareza e lucidez reviveu fortemente, pela maneira fluente e sentida como as palavras lhe saiam da boca, aquele dia em que, no distante Campo Militar de Sta Margarida, integrando um dos inúmeros pelotões formados desde a porta de armas até á Igreja, bem lá ao fundo, soube que iria ser transferido. Diz ele que fez sentido, um batimento com o calcanhar do pé esquerdo, um passo á retaguarda, rodou á direita e, em passo acelerado, se foi posicionar frente ao seu comandante de pelotão, ficando em sentido durante muito tempo! Ainda não estava nele. A farda, cinza matizada, feita de tecido que, quase que se a tirasse ela ficaria ali, hirta e sem se mexer, sozinha, tal era o padrão e a qualidade do tecido de que era feita. Muito inchado, lá permaneceu durante mais de um quarto de hora. Nada nem ninguém lhe fazia bulir um só cabelo que fosse (cortado á escovinha!) Passado aquele tempo, ouviu pronunciar o seu número (Sim! Naquele local os homens não eram mais que um número! O nome tinha-lhe sido dado pela mãe, não era para ali chamado, nem no campo se aceitavam ou metiam saias!) O nome não era lá pronunciado. Oh “137” apresenta-te no gabinete do nosso Comandante! O 137 estremeceu quando teve consciência do que estava para acontecer. Com a especialidade adquirida de condutor hipo, iria ser-lhe atribuído um equino e sua aparelhagem (é seu todo este palavreado e forma como se dirige ao cavalo!) Mas tal material não estava naquele campo! Iria receber guia de marcha para se apresentar em Lamego e aguardar comunicação de mobilização para os campos de batalha na longínqua França, ponto onde tinha rebentado a 2ª Guerra Mundial e, Portugal, por ser um País aliado, tinha que enviar tropas para o local. Por Lamego andou cerca de dois anos, um dia após outro, sempre com o coração nas mãos e a lágrima ao canto do olho! Ainda não estava mobilizado e já as saudades da terra e dos amigos o faziam definhar e o transformavam de forte e fero gandarês em humilde e amedrontada criança… Será hoje? Questionava-se logo que acordava em cada manhã. Escravo da responsabilidade que lhe havia sido atribuída, ganhou afeição á pileca, como carinhosamente tratava o seu trotador francês, alimentava-o, escovava-o e arreava-o de acordo com instruções que, oriundas do Comandante da Unidade, lhe eram transmitidas pelo seu comandante directo, homem vivido, duro, serrano a valer que não se sabe por que carga de água engraçou com o gandarês que lhe coube em sorte! Chegou a ir a casa dela algumas vezes e, já no final, privava com o mesmo no seu gabinete. Chegou finalmente o dia em que a mobilização iria ser comunicada a todos e cada um dos soldados que ali se encontravam! Formado na parada, com o coração reduzido ao tamanho de um vago de milho de pipoca e acelerado o ritmo a movimento imensuráveis, ouviu no altifalante o número de todos, menos o seu! Pensou estar a sonhar e tratou, logo que destroçou, de se dirigir á Secretaria, não fosse o diabo tecê-las e, devido ao nervosismo, não ter sido capaz de reconhecer o seu numero. Foi-lhe ordenado que se apresentasse no Gabinete do Comandante da Unidade! Para lá se dirigiu de imediato e amargurou todo e cada segundo até que a porta se abrisse e lhe foi ordenado que entrasse para a sala de espera. Passou-lhe pela cabeça em catadupa, a imagem do Pai, da Mãe, dos amigos, da terra que o viu nascer… e chorou! E assim estava, cabisbaixo, sem poder conter as lágrimas que, caindo pela face, percorriam o pescoço e se iam alojar na gola do dolman que envergava. Momentos houve em que, sem querer, fungou e soluçou. Fungava e arfava com a respiração! Mas mantinha-se de pé, em sentido, não fosse o Comandante entrar repentinamente e atrapalhar-se para o cumprimentar como era devido. Naqueles minutos, que lhe pareceram uma eternidade, de todos se despediu, a todos abraçou, e já no final, fez a promessa: Iria a Fátima a pé e, da Cruz Alta até á Capelinha, rastejaria até aos pés de Nossa Senhora, caso regressasse vivo e são. Rezou! Imaginava-se já nos campos de batalha. Arreados, ele e o trotador, preparados para a todo o momento, fazer deslocar para sítio mais conveniente, o canhão que lhes estava entregue e iria ser utilizado para provocar baixas nas hostes inimigas. Capacete de aço na cabeça, estalabartes nos ombros, mochila com rações de combate para si e as doses para a alimária sempre muito perto. Desceu á terra quando a porta se abriu. Bem disposto, com ar prazenteiro, o Comandante em pessoa abriu-lhe a porta do seu local de trabalho, fê-lo entrar á sua frente e, depois, sentou-se á sua mesa de serviço. Permaneceu em sentido até que o Comandante o mandou descansar. Apercebendo-se do estado em que se encontrava, o Comandante não perdeu tempo em sossegá-lo. Precisava dele ali, motivo por que não permitiu que fosse mobilizado para os campos de batalha! Iria deixar os trabalhos que vinha desenvolvendo e passaria a seu impedido, caso aceitasse, caso contrário, iria mesmo até á costa Francesa… Beliscou-se mais que uma vez! Deu um salto! Pediu desculpa de imediato pela afronta e descompostura e, de lágrimas nos olhos, disse sim ao Comandante. Pediu-lhe que lhe assinasse um passaporte para ir a casa, local onde não ia já há mais de dois meses. Queria dar a notícia aos Pais. Assim lhe aconteceu…

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