… Olha que bem que
sabe estar aqui sentado, de manhãzinha, a respirar este ar puro e a ouvir a
natureza em todo o seu esplendor.
Arregalo-me de vir
práqui prá sombra desta nespereira, encostado ao seu tronco, sentado neste
cepo, ir matinando e ouvindo os sons melodiosos que chegam até mim.
Ouço lá ao longe os
cães a ladrar. Açulados por alguém ou só a avisar os donos de alguma coisa que
está a acontecer nas proximidades. Olha-me aquele galo! Está mesmo a pedir
arroz quando quer impor que é ele quem manda aqui!
Parece-me que
aquela rola está a jogar ás escondidas comigo com o seu repetido cu-crrru
cu-crrru!
Olha-me só o
trinado deste melro. Que beleza de som! Vês que está a misturar-se com o canto
do rouxinol?
O meu quintal mais
parece a Arca de Noé. Gosto muito de ouvir aquele toc-toc-toc-toc contínuo!
Sabes o que é?
Como encolhi os ombros e não pronunciei nem um só monossílabo, atalhou logo de imediato:-
Bem me parecia. Vocês agora só com máquinas e motores é que conseguem arranjar e ter alguma coisa. É o travão do engenho do poço da Ti Rosa saltando de dente em dente!
Como encolhi os ombros e não pronunciei nem um só monossílabo, atalhou logo de imediato:-
Bem me parecia. Vocês agora só com máquinas e motores é que conseguem arranjar e ter alguma coisa. É o travão do engenho do poço da Ti Rosa saltando de dente em dente!
Vê lá tu a estragação
a que vocês de afoitam só por não quererem e não saberem usar uma enxada. Em
cada terra que esses ditos novos agricultores semeiam, ficam mais de dois
metros em poisio de cada lado da sementeira! Louvado seja Deus que já não sabem
o que é uma inrrega ou uma acaba! Mariolas é o que são. Agora novos
agricultores… Vês como as máquinas não fazem tudo!? O que vocês precisavam era
de viver a necessidade. Mas atão. Verdade seja dita que os meus filhos não são
assim porque, Graças a Deus, nunca lhes foi preciso plantar e semear para
colher. Mas também não são como esse fidalgotes a quem se pedem que desenhem um
frango e eles prantam com um churrasco, bronzeado, de braços abertos, qual
Cristo pregado na cruz. Se lhes for perguntar de onde é que ele vêm, serão
capazes de dizer que veio da máquina já assim! E dizes tu que as máquinas
facilitam a vida às pessoas. Até podes vir a ter razão mas também são elas que
dão origem a muito desemprego e á falta de qualidade das coisas nomeadamente
dos alimentos que agora se consomem. Agora até são capazes de vir para aí
arrazoar sobre alimentação biológica, quintas bio e pedagógicas e isso tudo.
Atão com que me
criou o meu pai? Foi com leite, queres tu ver! É o fostes. Batatinhas, filho,
batatinhas e sopa de coives com um quinhãozito, cando calhava, que até era um
regalo! Broa que às vezes até já tinha fios de bolor e era tão boa… Agora
modernices de pão alvo… isso era para quem estava doente e não era para todos
os dias. Onde é que se ia arranjar peito para dias e dias, de sol a sol de
enxada nas mãos a cavar como uns moiros? À broa e aos rabos de sardinha e
quinhões, pois então. Tudo o que agente comia vinha direitinho da terra, criado
com esterco do gado, muita água e solinho. Com esterquinho, pois então. Cuidas
que se botava alguma coisa fora? Era o botavas. Olha que até á bosta se andava
pelos caminhos para caldear os montes e estercar as terras! Quem é que tinha
dinheiro para gastar com amóinos e potassas? Ele era á rasca para a cal e
sulfato para caldar as batatitas e era quanto bastava. Às vezes levava-se a
cinza do borralho para espalhar por riba dos montes e já se notava bem onde ele
caía… De resto também o nosso tempo era usado todo ele nas lides da casa e nas
terras a semear, tratar e colher o que Deus dava. As terras eram
aproveitadinhas para semear. Olha que até os caminhos se chegava a semear,
muito embora se devesse caminho para os vizinhos e eles tivessem direito a
passar por esses espaços… Ficavam mesmo só as estremas grismes e mesmo nestas,
ás vezes, se abria ainda poços para regar, á injeção, alguma coisinha ou por
água nos canteiros das cebolas que se faziam crescer nas cabeceiras das terras
derretendo assim a cinza dos borralhos que se lançavam nesses canteiros. Por
falar em injeção, já te contei como isso se fazia, não já?
Anui meneando com a
cabeça de cima para baixo e ele continuou com a sua descrição. Como estava
bem-disposto hoje! Que fonte de informação, meu Deus!
Ai já. Pois
voltando às inrregas e às acabas muito tempo se gastava de enxada na mão a acabar
lavoiras e a cavar a marja onde os bois não chegavam e que a charrua não
lavrava.
Muitas vezes se
andou à frente dos bois a cavar bocadito aqui, bocadito ali para depois carrear
para ali o esterco que se havia acumulado na cabeceira da terra e onde se tinha
misturado o moliço, as carradas de agulhas e mato e o esterco saído dos currais
do gado, sempre era mais fácil porque as raízes do pasto tornavam a terra mais
dura e não deixavam as rodas do carro enterrar-se tanto. Vida amargurada mas
feliz a daquele tempo…