quarta-feira, 15 de abril de 2015

Tudo o que agente comia vinha direitinho da terra, criado com esterco do gado,


… Olha que bem que sabe estar aqui sentado, de manhãzinha, a respirar este ar puro e a ouvir a natureza em todo o seu esplendor.
Arregalo-me de vir práqui prá sombra desta nespereira, encostado ao seu tronco, sentado neste cepo, ir matinando e ouvindo os sons melodiosos que chegam até mim.
Ouço lá ao longe os cães a ladrar. Açulados por alguém ou só a avisar os donos de alguma coisa que está a acontecer nas proximidades. Olha-me aquele galo! Está mesmo a pedir arroz quando quer impor que é ele quem manda aqui!
Parece-me que aquela rola está a jogar ás escondidas comigo com o seu repetido cu-crrru cu-crrru!
Olha-me só o trinado deste melro. Que beleza de som! Vês que está a misturar-se com o canto do rouxinol?
O meu quintal mais parece a Arca de Noé. Gosto muito de ouvir aquele toc-toc-toc-toc contínuo! Sabes o que é?
Como encolhi os ombros e não pronunciei nem um só monossílabo, atalhou logo de imediato:-
Bem me parecia. Vocês agora só com máquinas e motores é que conseguem arranjar e ter alguma coisa. É o travão do engenho do poço da Ti Rosa saltando de dente em dente!
Vê lá tu a estragação a que vocês de afoitam só por não quererem e não saberem usar uma enxada. Em cada terra que esses ditos novos agricultores semeiam, ficam mais de dois metros em poisio de cada lado da sementeira! Louvado seja Deus que já não sabem o que é uma inrrega ou uma acaba! Mariolas é o que são. Agora novos agricultores… Vês como as máquinas não fazem tudo!? O que vocês precisavam era de viver a necessidade. Mas atão. Verdade seja dita que os meus filhos não são assim porque, Graças a Deus, nunca lhes foi preciso plantar e semear para colher. Mas também não são como esse fidalgotes a quem se pedem que desenhem um frango e eles prantam com um churrasco, bronzeado, de braços abertos, qual Cristo pregado na cruz. Se lhes for perguntar de onde é que ele vêm, serão capazes de dizer que veio da máquina já assim! E dizes tu que as máquinas facilitam a vida às pessoas. Até podes vir a ter razão mas também são elas que dão origem a muito desemprego e á falta de qualidade das coisas nomeadamente dos alimentos que agora se consomem. Agora até são capazes de vir para aí arrazoar sobre alimentação biológica, quintas bio e pedagógicas e isso tudo.
Atão com que me criou o meu pai? Foi com leite, queres tu ver! É o fostes. Batatinhas, filho, batatinhas e sopa de coives com um quinhãozito, cando calhava, que até era um regalo! Broa que às vezes até já tinha fios de bolor e era tão boa… Agora modernices de pão alvo… isso era para quem estava doente e não era para todos os dias. Onde é que se ia arranjar peito para dias e dias, de sol a sol de enxada nas mãos a cavar como uns moiros? À broa e aos rabos de sardinha e quinhões, pois então. Tudo o que agente comia vinha direitinho da terra, criado com esterco do gado, muita água e solinho. Com esterquinho, pois então. Cuidas que se botava alguma coisa fora? Era o botavas. Olha que até á bosta se andava pelos caminhos para caldear os montes e estercar as terras! Quem é que tinha dinheiro para gastar com amóinos e potassas? Ele era á rasca para a cal e sulfato para caldar as batatitas e era quanto bastava. Às vezes levava-se a cinza do borralho para espalhar por riba dos montes e já se notava bem onde ele caía… De resto também o nosso tempo era usado todo ele nas lides da casa e nas terras a semear, tratar e colher o que Deus dava. As terras eram aproveitadinhas para semear. Olha que até os caminhos se chegava a semear, muito embora se devesse caminho para os vizinhos e eles tivessem direito a passar por esses espaços… Ficavam mesmo só as estremas grismes e mesmo nestas, ás vezes, se abria ainda poços para  regar, á injeção, alguma coisinha ou por água nos canteiros das cebolas que se faziam crescer nas cabeceiras das terras derretendo assim a cinza dos borralhos que se lançavam nesses canteiros. Por falar em injeção, já te contei como isso se fazia, não já? 
Anui meneando com a cabeça de cima para baixo e ele continuou com a sua descrição. Como estava bem-disposto hoje! Que fonte de informação, meu Deus!
Ai já. Pois voltando às inrregas e às acabas muito tempo se gastava de enxada na mão a acabar lavoiras e a cavar a marja onde os bois não chegavam e que a charrua não lavrava.
Muitas vezes se andou à frente dos bois a cavar bocadito aqui, bocadito ali para depois carrear para ali o esterco que se havia acumulado na cabeceira da terra e onde se tinha misturado o moliço, as carradas de agulhas e mato e o esterco saído dos currais do gado, sempre era mais fácil porque as raízes do pasto tornavam a terra mais dura e não deixavam as rodas do carro enterrar-se tanto. Vida amargurada mas feliz a daquele tempo…

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