Ti Manuel parou. Com ar de
cismador entranhado pela idade, fala pausadamente e diz-me: Mas tu queres mesmo
que eu te conte o sonho que tive? Calou-se e, como eu fiquei boquiaberto
olhando-o nos olhos, disse-me com simplicidade:
Abriu-se a Arca do Tempo!
Uma chieira persistente,
enquanto o movimento de rotação sobre os gonzos se fazia sentir, incomodava-me
finamente a audição, um misto de sons agudos e graves, desconcertados, fazia-se
ouvir e suspeitar do conteúdo pelo muito tempo passado desde que a abri pela
última vez…
Era o meu segredo!
Pela fina frincha, entre a
tampa e a borda da caixa, saiu de imediato um enorme espaço, volúvel, como que
um bálsamo inebriante que gostosamente me envolveu e transportou através do
tempo, para tempos imemoriáveis, dando-me uma sensação de prazer indelével, que
gostosamente abracei e, de sorriso sublime, nele embarquei…
Surgiu-me, ao longe, um
SOTÃO DE MEMÓRIAS.
Sabes, aquele espaço por
cima da casa da arrumação e do pátio, com frestas entre as tábuas, sítio onde o
sentimento se expande, onde o dar é antagónico, onde o saber se desenvolve e
dilata, onde a troca é possível e desejável.
Toma atenção que é
condição básica e necessária, para utilização e usufruto daquele sítio, a
necessidade de partilhar e trocar conhecimentos!
Na Gândara tudo trocamos!
Batatas por fruta, influências por trabalho, tempo por tempo, trabalho por
trabalho, saberes por sabores, sorrisos por sorrisos, amizade por nada, e, no
fim, quando nos dispomos a dar desinteressadamente, verificamos que recebemos
muito mais do que o que demos e saímos mais ricos do que entrámos!…
Ali estava saliente o
orgulho na minha origem! Naquele tempo, não havia rico nem pobre. Todos eram
remediados. Alguns mais bafejados pela sorte que outros é certo. Estes outros,
de sorriso mais pronto e espontâneo, eram os que menos se incomodavam com os
bens materiais, mas trabalhavam de sol a sol para que o pão nosso de cada dia
lhes bastasse, a eles e aos familiares!
A genuinidade está por
todo o lado. Riqueza sublime, conhecimento profundo da realidade e forma de
vida.
Todos, mas todos mesmo, vibravam
com os acontecimentos inusitados que afetavam cada um e todos os elementos que
integravam o grupo/sociedade de que faziam parte.
Respeitavam-se mutuamente!
Uniam-se em torno de projetos e objetivos comuns. Criaram “róis” para acudir na
desgraça. Era a sua forma de garantir ajuda e apoio. Alcançavam a felicidade
lutando e construindo pontes, assentes em sólidos muros que todos utilizavam
para ir mais além rumo á felicidade e deixando, á passagem, desbravados
caminhos para simplificar e facilitar a passagem aos vindouros…
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