sexta-feira, 22 de abril de 2022

Olha que eu falei em casar e a primeira coisa que o meu pai me disse foi “quem casa quer casa, portanto, trata lá de falar com ela e digam onde querem erguer o vosso lar pois ajudar-vos isso vamos mas interferir, não contem connosco”! Mas espera aí. Quem é a cachopa?

Lá fui obrigado a abrir o livro dos segredos e deixá-lo ler algumas páginas. 

-Tu não me digas que andas de namoro coa filha do Castelhano. Tu toma tento nessa cabeça. Aquilo é gente de respeito e nós também somos dados a ele.

-Então fique a saber que sexta-feira à noitinha, vamos lá a casa deles que eu quero pedir a Maria em casamento. Já falei com ela e estamos de acordo.

Desde essa conversa o Ti Manel tudo fez para se encontrar com o Castelhano em ponto de poder tocar no assunto, mas nunca surgiu oportunidade para tal.

No dia aprazado, dadas as voltas em casa, Ti Manel, mulher e filho, vestidos mais adonairadamente, dirigiram-se a casa do Castelhano, tentando fazer o percurso por caminhos que dessem menos nas vistas pois não queriam dar a conhecer as intenções.

Já a Maria, o pai e a mãe estavam como que a fazer tempo, com tudo pronto, voltas dadas, panela ao lume, mesa posta, à espera de tão ilustres personagens. Que raio, iriam ser compadres pois os filhos iriam casar!

Feitos os cumprimentos da ocasião e enquanto os homens se dirigiram à adega provar um parreirol, as mulheres, timidamente meteram-se com a cachopa a tentar tirar nabos da púcara, para saber se já tinha acontecido alguma coisa ou se o namoro era sério e como convém a gente honrada. 

A rapariga, corada, descansou-as, dizendo que nada fizeram que não pudessem ter feito na frente fosse de quem fosse, mas que não tinham querido namorar à frente de toda a gente. Queriam conhecer-se e falar do amanhã em comum. Queriam dar os passos certos no tempo certo.

Chegados os homens, o Ti Castelhano convidou para a mesa, pediu ao “Parceiro” que se sentasse ao seu lado e os “Cachopos” na outra ponta da mesa. As mulheres sentar-se-iam onde quisessem…

Panela na mesa, picheira de parreirol a vazar-se bem, de tudo falaram, menos de casamentos! Até que que, Manel e Maria, pedindo licença aos pais, deram a conhecer as suas intenções e que gostavam de saber as opiniões deles.

Concordaram com o casamento, claro, e logo ali deram início à conversa acerca do dote que poderiam dar-lhe.

> Ti Castelhano, brioso, enaltece e oferece: A minha cachopa levas as baleiras para assentamento! “Olhar que naquilo muitos queriam por a mão, mas cedo decidi que seriam dela. Aquilo é coisa asseada!

> Assim sendo o meu rapaz leva madeira rija, dos pinheiros do Samoical, para serrar e aparelhar pró que for preciso;

> A minha Maria leva atão o rego dágua, terra forte e boa embora esteja dividida pela vala que ali escorre…

> Falei ca Comadre e também vamos deixar que ele fique com a Pichota, que embora seja pequena, tem um bom poço;

> O meu pai, a mangar ou a sério, já aqui há tempos lhe pôs á disposição a borda das olarias. Nunca foram exploradas e tem areia de primeira qualidade e espaço suficiente para fazer o barreiro;

Havemos de ir à cal. Temos os Fornos, o Barracão, O Zambuzal. A do Barracão parece que estala muito…

E o mais se há-de arranjar. Eles já não vão para novos. Ele com 30 e ela com 24 já é idade para se saber o que se quer.

Dum lado e de outro, havia mais irmãos em casa, todos mais novos. Eram eles, lado a lado, quem iria “encertar” os ranchos daquelas famílias. O pai fazia pão com a graça de Deus e o sogro seguia-lhe o rasto. Tanto uns como outros tinham o seu moliceiro, arrimado aos moirões no Cais do Areão! Certo e sabido que o moliço estava garantido para o adubar das terras, assim a Ria o criasse nos seus longos braços, pois os recantos onde ele era mais graúdo não lhe eram desconhecidos. Cada um tinha a sua Junta e ao lado, duas vacas leiteiras que anualmente davam cada uma sua cria, certinhas tanto no leite como nestas. Aquilo eram autênticos colchões …

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