quinta-feira, 29 de setembro de 2022

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Andou na moina todo o dia. Com as calças rotas nos joelhos, agora via-se em palpos de aranha para arranjar uma desculpa para apresentar à mãe de modo a que o mexedor não se fizesse sentir mais intensamente quando chegasse a casa. Sim, ele já sabia que tinha o destino traçado: quando chegasse a casa iria apanhar mais uma vez para não quebrar a rotina a que estava habituado. E de nada lhe valia chorar e chamar-lhe mãezinha ou prometer que não voltava a acontecer. A vontade de ir por aquela vala fora, de calças arregaçadas até ao joelho, de pé descalço, correndo o risco de sair todo arranhado pelas silvas ou de cair na água e ficar todo molhadinho, era superior ao cumprimento do dever e de fazer as obrigações que a mãe lhe deixou destinadas quando ia andar de fora, trocar tempo ou ao jornal. Até reconhecia que a mãe fazia grande esforço para o trazer limpo, anafado e mais ou menos asseado mas a vontade de ir aos ninhos era mais forte do que o dever de ficar e cumprir.

A primeira ainda não tinha ganho vez nenhuma e por isso mesmo já conhecia o mexedor em todos os seus lados. Ainda bem que a mão o agarrou pela mão e só lhe assentou o mexedor no cu. Estalava mas já começava a ganhar calo…

Mas que raio. Como é que ele foi logo escorregar de tal maneira que o toco da tranca lhe apanhou a perneira no joelho, se enganchou e lhe rasgou as calças. E que corte ele tinha na perna também… Mas a perna era o menos. Ferveria água com folhas de eucalipto, lavava bem lavadinho e punha um pouco de azeite. Se aquele tratamento curava a capação dos porcos, e eram dois cortes tão fundos, também havia de lhe sarar a ferida do joelho que embora mais comprida, eram muito mais baixa…

Nesta cogitação deu consigo sentado dentro da cabana da palha, junto da eira e só veio a si quando começou a ouvir o alarido e alazoado da mãe a chamar por ele em altos berros e a dizer que o desancava com elas. É o apareces!

Aconchegou-se mais e desviou-se do sítio onde sabia que a mãe iria, mais tarde ou mais cedo, buscar a gabela da palha para dar à vaca. Ali não tinha frio e podia aguardar calmamente até arranjar uma razão para justificar o rasgão das calças novas de cotim. Mas a perna que lhe começou a doer! Relhou os dentes com força e assim se manteve até que amadornou e adormeceu…

Não sabe o que se passou naquele intervalo de tempo. Só sabe que era já noite escura quando o avô o agarrou e o levantou, gritando para a filha que já o tinha encontrado.

A mãe tinha chegado a casa e enregado a dar as voltas, não sem antes o ter chamado em altos berros, como de costume, ele ouvia os gritos dela e ficava a saber que eram horas de regressar a casa. Mas nesse dia, com medo à tareia por causa das calças rotas, escondeu-se na cabana da palha e adormeceu. Esteve ali algumas duas horas ou mais pois se até o avô já andava à procura dele… E a mão garantia que já tinha ido à cabana e não o tinha visto lá… Mas o avõ, que ainda ouvia muito bem e sentiu um quase ronronar e remexer da palha, sem meias medidas meteu a mão e, imagine-se, agarrou o fidalgo…

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