...
Andou na moina todo o dia. Com as calças
rotas nos joelhos, agora via-se em palpos de aranha para arranjar uma desculpa
para apresentar à mãe de modo a que o mexedor não se fizesse sentir mais
intensamente quando chegasse a casa. Sim, ele já sabia que tinha o destino
traçado: quando chegasse a casa iria apanhar mais uma vez para não quebrar a
rotina a que estava habituado. E de nada lhe valia chorar e chamar-lhe mãezinha
ou prometer que não voltava a acontecer. A vontade de ir por aquela vala fora,
de calças arregaçadas até ao joelho, de pé descalço, correndo o risco de sair
todo arranhado pelas silvas ou de cair na água e ficar todo molhadinho, era superior
ao cumprimento do dever e de fazer as obrigações que a mãe lhe deixou
destinadas quando ia andar de fora, trocar tempo ou ao jornal. Até reconhecia
que a mãe fazia grande esforço para o trazer limpo, anafado e mais ou menos
asseado mas a vontade de ir aos ninhos era mais forte do que o dever de ficar e
cumprir.
A primeira ainda não tinha ganho vez
nenhuma e por isso mesmo já conhecia o mexedor em todos os seus lados. Ainda
bem que a mão o agarrou pela mão e só lhe assentou o mexedor no cu. Estalava mas
já começava a ganhar calo…
Mas que raio. Como é que ele foi logo
escorregar de tal maneira que o toco da tranca lhe apanhou a perneira no
joelho, se enganchou e lhe rasgou as calças. E que corte ele tinha na perna
também… Mas a perna era o menos. Ferveria água com folhas de eucalipto, lavava
bem lavadinho e punha um pouco de azeite. Se aquele tratamento curava a capação
dos porcos, e eram dois cortes tão fundos, também havia de lhe sarar a ferida
do joelho que embora mais comprida, eram muito mais baixa…
Nesta cogitação deu consigo sentado dentro
da cabana da palha, junto da eira e só veio a si quando começou a ouvir o
alarido e alazoado da mãe a chamar por ele em altos berros e a dizer que o
desancava com elas. É o apareces!
Aconchegou-se mais e desviou-se do sítio
onde sabia que a mãe iria, mais tarde ou mais cedo, buscar a gabela da palha
para dar à vaca. Ali não tinha frio e podia aguardar calmamente até arranjar
uma razão para justificar o rasgão das calças novas de cotim. Mas a perna que
lhe começou a doer! Relhou os dentes com força e assim se manteve até que
amadornou e adormeceu…
Não sabe o que se passou naquele intervalo
de tempo. Só sabe que era já noite escura quando o avô o agarrou e o levantou,
gritando para a filha que já o tinha encontrado.
A mãe tinha chegado a casa e enregado a dar
as voltas, não sem antes o ter chamado em altos berros, como de costume, ele
ouvia os gritos dela e ficava a saber que eram horas de regressar a casa. Mas
nesse dia, com medo à tareia por causa das calças rotas, escondeu-se na cabana
da palha e adormeceu. Esteve ali algumas duas horas ou mais pois se até o avô
já andava à procura dele… E a mão garantia que já tinha ido à cabana e não o
tinha visto lá… Mas o avõ, que ainda ouvia muito bem e sentiu um quase ronronar
e remexer da palha, sem meias medidas meteu a mão e, imagine-se, agarrou o
fidalgo…
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