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Chegada a casa, a
Maria, correu logo para a cozinha para provar os feijões que deixara, manhã
cedo, ao lume na panela, (que das três pernas já só tinha três cotos), adubados
com um pedaço de toucinho alto, ajeitar os tiços debaixo da trempe e juntar-lhe
mais uns gravetos para iniciar a fervura e depois “masturá-los” com umas
batatitas, uns bagos de arroz e umas folhitas de couve. Depois dirigiu-se ao
quintal e, de passagem, pôs uma gabela ao gado, cortou meia abóbora aos
bocados, juntou-lhe um punhado de farinha, acabou de encher o balde na bomba e
deitou tudo na pia ao porco, deu milho às galinhas e foi depois apanhar uma mão
cheia de couves para a panela. Tinha as voltas dadas para o meio-dia.
Algum tempo passado e
o sino da torre da Igreja fez-se ouvir anunciando o meio-dia! Era tempo para
parar, dar graças, e invocá-lO! Logo ali, erguendo os olhos ao céu,
mecanicamente e em voz alta, rezou as “Ave-marias”: “O Anjo do Senhor anunciou
a Maria…” No final benzeu-se, e foi para a cozinha pôr os pratos na mesa e
esperar pelo Manel e pelos cachopos que deveriam estar a chegar.
Sobre a mesa foram colocados seis pratos, a broa, a “picheira” com vinho [a pinguita sempre havia de dar mais alguma força ao Manel para puxar pelos outros a cavar (É que isto de exemplo tem que se lhe diga!)] e a panela das sopas com o testo em riba. Não esqueceu o garfo de ferro que o homem tanto aprecia, aliado á navalha que sempre traz no bolso. Coisas pequenas… que nos levam longe e dão origem a grandes obras fazendo aumentar a afeição!
Chegaram os cachopos
e foram ter com o Avô que ainda não tinham visto nesse dia. Pouco depois foi a
vez do Manel que entrou pelo pátio dentro a assobiar e se dirigiu á bomba do
poço para lavar as mãos, a cara e acabar de lavar os pés e pernas, em águas
mais limpas, sim porque a crosta maior já ele havia primeiro rapado com a
enxada e no caminho, ao passar na Vala da Sapateira limpou ainda alguma lama.
Mal entrou a porta da
cozinha, entrou-lhe pelas narinas um cheirinho divinal e, “salvando” todos, sentou-se á mesa.
E o Manel, depois de
todos se terem servido, (como que a querer certificar-se de que o alimento
chegava para todos) serviu-se também ele e, em jeito de brincadeira mas com
muita clareza, deseja a todos bom apetite, “bom
proveito á barriga e ao peito” e “bota a dar-lhe porque quem não é para
comer, também não é para trabalhar.
Que bem lhe sabiam
aquelas sopas! E que paladoso estava o naco de quinhão que lhe calhou! Até
parecia ter febra agarrada! Aquele molho a escorrer para o pedaço de broa (de
cima e de baixo, farturinha graças a Deus!) pois o toucinho do porco morto pelo
S. Martinho, graças ao bom Stº Antoninho, era bem alto e tinha tamanho e
quantidade que deu para encher a salgadeira até cima, garantindo carne para o
ano inteiro assim a soubesse arratelar a sua Maria. A ele competia ensinar os
filhos a “acuntar” o quinhão e dele tirar paladar. E que bem lhe sabia a
canecada do seu inconfundível parreirol!
Finda a refeição, seu
sogro usou dos pergaminhos dados pela proveta idade e deu graças, de forma
sentida: “Abençoai Senhor o alimento que acabamos
de tomar. Que ele restaure as nossas forças para melhor vos servir e amar.
Abençoai quem esta refeição preparou e não vos esqueçais daqueles que para vós
chamastes. Ás Almas dai-lhe Senhor o eterno descanso… que descansem em paz”.
Todos responderam em uníssono “Ámen!
Assim seja!”
Que respeito se viveu
durante aqueles momentos! Que sentidas foram as palavras! Como o Ti Joaquim se
lembrava ainda da sua Ana! E iam passados mais de vinte e três anos!
Cabisbaixa, a Maria
pensava na melhor maneira e altura para por o Manel ao corrente do seu estado…
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