domingo, 9 de outubro de 2022

...e arroz com feijões!

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Chegada a casa, a Maria, correu logo para a cozinha para provar os feijões que deixara, manhã cedo, ao lume na panela, (que das três pernas já só tinha três cotos), adubados com um pedaço de toucinho alto, ajeitar os tiços debaixo da trempe e juntar-lhe mais uns gravetos para iniciar a fervura e depois “masturá-los” com umas batatitas, uns bagos de arroz e umas folhitas de couve. Depois dirigiu-se ao quintal e, de passagem, pôs uma gabela ao gado, cortou meia abóbora aos bocados, juntou-lhe um punhado de farinha, acabou de encher o balde na bomba e deitou tudo na pia ao porco, deu milho às galinhas e foi depois apanhar uma mão cheia de couves para a panela. Tinha as voltas dadas para o meio-dia.

Algum tempo passado e o sino da torre da Igreja fez-se ouvir anunciando o meio-dia! Era tempo para parar, dar graças, e invocá-lO! Logo ali, erguendo os olhos ao céu, mecanicamente e em voz alta, rezou as “Ave-marias”: “O Anjo do Senhor anunciou a Maria…” No final benzeu-se, e foi para a cozinha pôr os pratos na mesa e esperar pelo Manel e pelos cachopos que deveriam estar a chegar.

Sobre a mesa foram colocados seis pratos, a broa, a “picheira” com vinho [a pinguita sempre havia de dar mais alguma força ao Manel para puxar pelos outros a cavar (É que isto de exemplo tem que se lhe diga!)] e a panela das sopas com o testo em riba. Não esqueceu o garfo de ferro que o homem tanto aprecia, aliado á navalha que sempre traz no bolso. Coisas pequenas… que nos levam longe e dão origem a grandes obras fazendo aumentar a afeição!

Chegaram os cachopos e foram ter com o Avô que ainda não tinham visto nesse dia. Pouco depois foi a vez do Manel que entrou pelo pátio dentro a assobiar e se dirigiu á bomba do poço para lavar as mãos, a cara e acabar de lavar os pés e pernas, em águas mais limpas, sim porque a crosta maior já ele havia primeiro rapado com a enxada e no caminho, ao passar na Vala da Sapateira limpou ainda alguma lama.

Mal entrou a porta da cozinha, entrou-lhe pelas narinas um cheirinho divinal e, “salvando” todos, sentou-se á mesa.

E o Manel, depois de todos se terem servido, (como que a querer certificar-se de que o alimento chegava para todos) serviu-se também ele e, em jeito de brincadeira mas com muita clareza, deseja a todos bom apetite, “bom proveito á barriga e ao peito” e “bota a dar-lhe porque quem não é para comer, também não é para trabalhar.

Que bem lhe sabiam aquelas sopas! E que paladoso estava o naco de quinhão que lhe calhou! Até parecia ter febra agarrada! Aquele molho a escorrer para o pedaço de broa (de cima e de baixo, farturinha graças a Deus!) pois o toucinho do porco morto pelo S. Martinho, graças ao bom Stº Antoninho, era bem alto e tinha tamanho e quantidade que deu para encher a salgadeira até cima, garantindo carne para o ano inteiro assim a soubesse arratelar a sua Maria. A ele competia ensinar os filhos a “acuntar” o quinhão e dele tirar paladar. E que bem lhe sabia a canecada do seu inconfundível parreirol!

Finda a refeição, seu sogro usou dos pergaminhos dados pela proveta idade e deu graças, de forma sentida: “Abençoai Senhor o alimento que acabamos de tomar. Que ele restaure as nossas forças para melhor vos servir e amar. Abençoai quem esta refeição preparou e não vos esqueçais daqueles que para vós chamastes. Ás Almas dai-lhe Senhor o eterno descanso… que descansem em paz”. Todos responderam em uníssono “Ámen! Assim seja!

Que respeito se viveu durante aqueles momentos! Que sentidas foram as palavras! Como o Ti Joaquim se lembrava ainda da sua Ana! E iam passados mais de vinte e três anos!

Cabisbaixa, a Maria pensava na melhor maneira e altura para por o Manel ao corrente do seu estado…

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