segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

 

MATANÇA DO PORCO.


A matança do porco – pretexto para a reunião da família, dos amigos e vizinhos e motivo para os repastos conjuntos, onde a fartura da carne não impede o vinho de ser rei.

A matança do porco pode ir até inícios de Fevereiro – começa no S. Martinho (11 de novembro!), sempre de madrugada – beneficiando do tempo mais frio e a constituir, na grande parte das aldeias portuguesas, uma das mais tradicionais celebrações familiares rurais.

Ocasião festiva e acontecimento que se reveste de particular importância do ponto de vista económico, uma vez que as carnes, os enchidos, o toucinho e a banha representam alimentos fundamentais da família ao longo do ano, a matança do porco encontra-se associada a algumas maneiras e rituais mantidos até hoje no seio da comunidade rural.

Em certas localidades, antes do porco cevado ser agarrado, continua a observar-se o hábito, dos donos do porco, oferecerem a quem toma parte na matança figos secos, vinho e aguardente.

Laçado por uma perna, ainda no curral, o animal é trazido, em alta gritaria e com esforço dos “seus algozes” até junto do carro da vaca ou dos bois, previamente preparado sem taipais e só com um fogueiro num dos cantos do arrecavém.

Por vezes e dado o peso do animal e a eventual pouca força dos presentes, só homens (as mulheres ocupavam-se das lides da cozinha e só apareciam para trabalhar quando o animal estivesse já morto, chamuscado, lavado e pendurado, pronto a ser esventrado de tripas) era usada uma panca que, passando por baixo da barriga do porco e assentando no varal do carro/carroça) manobrada com destreza por um forte e afoito, de repente, dava a volta ao porco e este aparecia em cima do carro, sendo então necessário saltar-lhe para riba para que não se levantasse e pudesse ser colocado, com as pernas para o arrecavém, do carro, amarrado ao fogueiro, e o focinho amarrado com outra corda a um dos varais.

A mão de baixo pertencia ao matador segurá-la e coloca-la de maneira a que não falhasse a facada. A de cima era segura por um homem, fero e rijo, que se colocava por detrás do porco, lhe dobrava a outra mão e o impedia de se movimentar, de modo a poder ser sangrado.

O sangue do animal, o primeiro que sai do corte da faca, foi recolhido num alguidar de barro vermelho e retirado para local seguro e sossegado para coalhar, não sem que antes disso o matador lhe fizesse um corte em cruz.

Todo o restante, o que sai ainda até que o porco deixe de ter vida, é recolhido noutra bacia ou tacho a que se adicionou já cebola, sal, alho, vinagre e, ou vinho e vai-se mexendo sempre com uma colher de pau para não coalhar, só parando esta operação quando o sangue se encontra completamente frio.

Porco morto, nova pinga prá goela!

Depois é jogado abaixo do carro, mesmo na estrumeira, dando-se então início ao chamuscar do bicho.

São carregadas agulhas secas e enxutas para perto do porco. Foi já feita uma tenaz com duas varas de pinheiro para movimentar as mãos cheias de agulhas, acesas, que percorrerão todo o corpo do animal queimando-lhe todos os pelos. Já trabalha a pá do forno raspando a cinza e negro que se vai acumulando para ver se é necessário aproximar mais fogo ou seguir em frente.

Dois homens encarregam-se de queimar e arrancar as unhas ás patas do porco.

Todo chamuscado dum dos Lados, é hora de virar!

Mas, se há uns que querem virar, outros há que não deixam e só vira depois de haver nova rodada de mata-bicho!

Foram trazidas duas telhas salgadeiras para colocar, uma sobre a mão outra sobre a perna, que fica por baixo, para que o fogo as não queime.

E recomeça o trabalho da chamusca!

Chamusca efetuada, é arranjado um espaço mais limpo alguma coisa para colocar o porco e o lavar. É preciso uma telha salgadeira, uns torrões de adobes e sal. Tudo isto para lavar o corpo, as patas e as orelhas do animal.

Animal lavado convenientemente é colocado de pernas e mãos para o ar, é descoberto o tendão nas patas traseiras, junto ao joelho, e por ali é enfiado o chambaril.

As patas são mantidas abertas, separadas uma da outra, para facilitar o trabalho que vem a seguir.

Organiza-se depois o cortejo em direção à cozinha ou à casa da arrumação, com o porco sobre sacos e pegando os homens uns de cada lado para atrás da porta, onde foi   passada uma corda, próximo da parede, pelo barrote, para assim pendurar o porco.

Pendurado pelo «chambaril» (um pau curvo e duro) que se lhe enfiava nos «jarretes», parte posterior da articulação do joelho das pernas traseiras do animal), na casa de arrumação ou na cozinha do lume, de cabeça para baixo, tarefa nem sempre fácil a que alguns dos presentes ainda se opunham gritando bem alto que «se o mata bicho não vem, o porco não sobe!

Nessa posição é aberto pela barriga, um corte de cada lado sendo-lhe retirada em primeiro lugar a tira de gordura, peituga e carne da facada, com febra no interior que vai de entre as pernas traseiras até à parte inferior do pescoço e cobertura da queixada. De seguida são retiradas as tripas (vísceras e intestinos) (miudezas) que são entregues às mulheres e colocadas sobre uma mesa onde o matador e estas se vão encarregar de separar as tripas (intestinos) retirando-lhe o máximo de gorduras para depois serem levadas à vala, com água corrente, para as lavar convenientemente virar o interior para fora e cortar em tamanhos que permitam, depois de tratadas, ser cheias com carne (chouriças) ou com sangue e as gorduras arrancadas das tripas.

O toucinho ou entremeada encontra-se agarrado, de lado, às costelas e aos lombos. Assim arranjado o porco, este é borrifado com vinagre, por causa das moscas e embrulhado com lençóis velhos, ficando assim até ao outro dia de manhãzinha.

O porco fica assim pendurado para escorrer e arrefecer.

De manhãzinha, estende-se uma coberta de trapos ou sacos de sisal sobre o chão da divisão onde o porco ficou pendurado altura em que a carne é «desmanchada», separando-se as «peças» destinadas ao fumeiro (chouriças e morcelas) e as que vão ser guardadas no caixão (salgadeira!), conservadas no sal.

As primeiras a sair eram o toucinho, carne branca, sem febra, com a altura de quatro ou cinco dedos (ou mais!) que serviriam para adubar as sopas ou fazer quinhões para molhar as batatas abertas ao meio…

Lembrar ainda que, algumas peças do porco, as mais gulapeiras, já não chegavam a entrar no caixão, eram dadas ao Sr. Dr., ao Sr. Prior, a algum vizinho mais chegado…e assim começava o porco a desaparecer do caixão sem nunca lá ter entrado!

Ah, o Stº António também tinha um quinhão: como era o protetor dos animais, calhava-lhe sempre um pezunhito…

 

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