quarta-feira, 1 de outubro de 2025

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Como te disse, no meu tempo era-se solidário do nascer ao morrer. Todos os acontecimentos eram motivo para coisas sérias!

 “Hádes oibir a mnha Maria pra quela te fale acerca do nacimento do nosso mais belho!

Começou logo a nascer-me água na boca!

Guardei religiosamente a ideia para que, logo que surgisse a primeira oportunidade, abordar a ti Ana.

Manifestações de carinho e apoio eram uma constante. Olha que ninguém passava por ninguém que o não saudasse, fosse a que horas fosse do dia, conhecesse-se ou não! Os desejos de paz e alegria não custavam nada a dar e agradavam muito a quem os recebia! Não fui educado para andar de mal com ninguém, nem eu nem os do meu tempo!

Se andávamos sempre alegres, bem,… fazíamos por isso…

… e o dia e momento aprazaram-se!

“… Ora viva ti Ana. Como vai vosmecê? Venho só com o a intenção de falar consigo, ou melhor, oibir de si, o relato do nascimento do seu mais belho. Se vosmecê tivesse tempo e quisesse, era uma grande favor e alegria que me fazia e dava.”

“-Ai home tens cada uma, como queres tu queu me lembre do que se passou já lá vão mais de setenta anos? Mas tábem, tu mereces respeito e tamain nunca mo negaste!

Olha começo por dizer-te que foi uma aventura e peras. Nunca em tal me tinha visto! Era o mê premeiro filho e eu, com vinte e três anos, mal tinha oibido falar de andar prenha ou de pariduras. Isso não era assunto de conversas que se tvessem de calquer maneira e com calquer um. Até me parece que era considerado pecado falar em tais conversas Olha logo nos princípios andei munto injoada, gometaba tudo o que comia, não aguentaba comida denhuma no bucho… mas ópios a coisa foi andando e compôs-se, a barriga foi crescendo de tal maneira que cheguei a pensar que arrebentaba, até me custaba a dobrar para agarrar  calquer coisa do chão. Timbe que deixar de usar corpete, apertaba-me munto as mamas e até me fazia doer os bicos.

Até que um dia, à noitinha, estaba eu a dar as boltas e a fazer uma fogueira no borralho, debaixo da trempe, pra por a panela ó lume com auga pa labar os pés e comecei cum dores no fundo da barriga e a modos que a sentir aúga a escorrer plas pernas abaixo.

Que saria aquilo?

A principio não dei munta importância, mas comecei a preocupar-me. O mê Manel não estaba em casa e ê fuim chamar a minha vizinha, a ti Dosões, que esteve a falar comigo, biu comeu estava, mandou o filho a correr chamar a Ti Maria Manhas, e foi pá cozinha cmigo.

Lá me preguntou onde é queu tinha uns panos labados e ê mandei-a procurar na arca da roipa que estaba no corredor, ópois pediu uma tesoira e linhas e trouxe tudo pra cima da mesa.

Ê staba de boca aberta cachopinho, mas já sentia dores munto fortes debaixo da barriga.

Foi cando a ti Dosões me disse quê staba para parir!

De repente entra pela porta adentro a ti Maria, esbaforida, munto aflita a chamar pla Dosões. Falou um pouco com ela e ê dei um grito, encostei-me ó pião da chmné e, pus as mãos abertas por baixo das saias no meio das pernas! Elas correram logo para mim, a ti Dosões agarrou-me pelos ombros e deitou-me em cima dma manta de retalhos quê tinha no chão da cozinha e a ti Maria arregaçô-me a saia e mandô-me abrir as pernas!

Caredo! Que aflição! E que dores em sentia! Dei em berrar ao morto e só me alembro da ti Maria dizer bem alto que, cando foi pó fazer, ê num tinha berrado assim, não.

Lá me contibe e relhei os dentes para não se oibirem os gritos! Poico tempo depois, a ti Maria trazia nas mãos um latagão, bermelhusco, cum cordão agarrado à barriga e ó tripado quê tinha no meio das pernas, e prantou-mo em cima dos peitos.

Era um rapazão!

Ê num sabia se habia de chorar se de rir. A ti Maria foi buscar a tesoira, fez lá mas medidas, deu dois nós com a linha no cordão do menino e cortou-o entre os nós.

Entretanto a ti Dosões já tinha ido buscar ma labadeira, onde tinha posto auga temperada e a ti Maria deu-lhe a criança  pa ela labar. Ela assim fez e deu o menino outra vez à ti Maria. Ela agarrou-o plos pés, pindurou-o e deu-lhe umas palmaditas no rabo.

Inrregou logo a berrar o mê menino!

Temos gente, disse a ti Maria e a ti Dosões riu-se pra mim.

Lá lhe puseram mercúrio na invide, enrolaram-lhe uma faixa de tecido, feita de um lençol, à volta da barriga e embrulharam-no munto bem num cobertor. Nem as mãos lhe deixaram à solta.

Ópois a ti Maria lá se birou pra mim, tirou-me do meio das pernas o tripado ensanguentado que ali estava e labou-me munto bem por baixo. Tamain me pôs mercúrio para desinfetar, disse ela.

Com jeito, algum tempo depois, lá me levaram para a cama, deitaram-me e mandaram-me desapertar o chambre e o corpete e fcar cas mamas à mostra. Trouxeram a criança e encostaram-lhe a boca a uma.

Num te cuides munto sel não mamar, se tu nã tveres leite.

Se for nassairo manda-se chamar a Ti Palmira do Baltazar quela já tem os filhos criados mas continua a dar leite pra quem é nassairo.

E não é que o pequenote começou logo a fazer pla bida? Aquilo é que era lindo bê-lo agarrado à mama e xuxar com tanta força…que queres que te conte mais? Foi assim que nasceu o mê Manel, que beio a fcar com o nome do pai, e dos avós, que eram os dois Manéis…

(Saliento que os termos utilizados na descrição tentam replicar a pronuncia das palavras usadas na descrição! É propositado!)

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