...
Como te disse, no meu tempo era-se
solidário do nascer ao morrer. Todos os acontecimentos eram motivo para coisas
sérias!
Começou logo a nascer-me água na boca!
Guardei religiosamente a ideia para que,
logo que surgisse a primeira oportunidade, abordar a ti Ana.
Manifestações de carinho e apoio eram uma
constante. Olha que ninguém passava por ninguém que o não saudasse, fosse a que
horas fosse do dia, conhecesse-se ou não! Os desejos de paz e alegria não
custavam nada a dar e agradavam muito a quem os recebia! Não fui educado para
andar de mal com ninguém, nem eu nem os do meu tempo!
Se andávamos sempre alegres, bem,… fazíamos
por isso…
… e o dia e momento aprazaram-se!
“… Ora viva ti Ana.
Como vai vosmecê? Venho só com o a intenção de falar consigo, ou melhor, oibir
de si, o relato do nascimento do seu mais belho. Se vosmecê tivesse tempo e
quisesse, era uma grande favor e alegria que me fazia e dava.”
“-Ai home tens cada
uma, como queres tu queu me lembre do que se passou já lá vão mais de setenta
anos? Mas tábem, tu mereces respeito e tamain nunca mo negaste!
Olha começo por
dizer-te que foi uma aventura e peras. Nunca em tal me tinha visto! Era o mê
premeiro filho e eu, com vinte e três anos, mal tinha oibido falar de andar
prenha ou de pariduras. Isso não era assunto de conversas que se tvessem de
calquer maneira e com calquer um. Até me parece que era considerado pecado
falar em tais conversas… Olha logo
nos princípios andei munto injoada, gometaba tudo o que comia, não aguentaba
comida denhuma no bucho… mas ópios a coisa foi andando e compôs-se, a barriga
foi crescendo de tal maneira que cheguei a pensar que arrebentaba, até me
custaba a dobrar para agarrar calquer
coisa do chão. Timbe que deixar de usar corpete, apertaba-me munto as mamas e
até me fazia doer os bicos.
Até que um dia, à
noitinha, estaba eu a dar as boltas e a fazer uma fogueira no borralho, debaixo
da trempe, pra por a panela ó lume com auga pa labar os pés e comecei cum dores
no fundo da barriga e a modos que a sentir aúga a escorrer plas pernas abaixo.
Que saria aquilo?
A principio não dei
munta importância, mas comecei a preocupar-me. O mê Manel não estaba em casa e
ê fuim chamar a minha vizinha, a ti Dosões, que esteve a falar comigo, biu
comeu estava, mandou o filho a correr chamar a Ti Maria Manhas, e foi pá
cozinha cmigo.
Lá me preguntou
onde é queu tinha uns panos labados e ê mandei-a procurar na arca da roipa que
estaba no corredor, ópois pediu uma tesoira e linhas e trouxe tudo pra cima da
mesa.
Ê staba de boca
aberta cachopinho, mas já sentia dores munto fortes debaixo da barriga.
Foi cando a ti
Dosões me disse quê staba para parir!
De repente entra
pela porta adentro a ti Maria, esbaforida, munto aflita a chamar pla Dosões.
Falou um pouco com ela e ê dei um grito, encostei-me ó pião da chmné e, pus as
mãos abertas por baixo das saias no meio das pernas! Elas correram logo para
mim, a ti Dosões agarrou-me pelos ombros e deitou-me em cima dma manta de
retalhos quê tinha no chão da cozinha e a ti Maria arregaçô-me a saia e mandô-me
abrir as pernas!
Caredo! Que aflição!
E que dores em sentia! Dei em berrar ao morto e só me alembro da ti Maria dizer
bem alto que, cando foi pó fazer, ê num tinha berrado assim, não.
Lá me contibe e
relhei os dentes para não se oibirem os gritos! Poico tempo depois, a ti Maria
trazia nas mãos um latagão, bermelhusco, cum cordão agarrado à barriga e ó
tripado quê tinha no meio das pernas, e prantou-mo em cima dos peitos.
Era um rapazão!
Ê num sabia se
habia de chorar se de rir. A ti Maria foi buscar a tesoira, fez lá mas medidas,
deu dois nós com a linha no cordão do menino e cortou-o entre os nós.
Entretanto a ti
Dosões já tinha ido buscar ma labadeira, onde tinha posto auga temperada e a ti
Maria deu-lhe a criança pa ela labar.
Ela assim fez e deu o menino outra vez à ti Maria. Ela agarrou-o plos pés,
pindurou-o e deu-lhe umas palmaditas no rabo.
Inrregou logo a
berrar o mê menino!
Temos gente, disse
a ti Maria e a ti Dosões riu-se pra mim.
Lá lhe puseram
mercúrio na invide, enrolaram-lhe uma faixa de tecido, feita de um lençol, à
volta da barriga e embrulharam-no munto bem num cobertor. Nem as mãos lhe
deixaram à solta.
Ópois a ti Maria lá
se birou pra mim, tirou-me do meio das pernas o tripado ensanguentado que ali
estava e labou-me munto bem por baixo. Tamain me pôs mercúrio para desinfetar,
disse ela.
Com jeito, algum
tempo depois, lá me levaram para a cama, deitaram-me e mandaram-me desapertar o
chambre e o corpete e fcar cas mamas à mostra. Trouxeram a criança e
encostaram-lhe a boca a uma.
Num te cuides munto
sel não mamar, se tu nã tveres leite.
Se for nassairo
manda-se chamar a Ti Palmira do Baltazar quela já tem os filhos criados mas
continua a dar leite pra quem é nassairo.
E não é que o
pequenote começou logo a fazer pla bida? Aquilo é que era lindo bê-lo agarrado
à mama e xuxar com tanta força…que queres que te conte mais? Foi assim que
nasceu o mê Manel, que beio a fcar com o nome do pai, e dos avós, que eram os
dois Manéis…
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