O alinhamento dos poços nos terrenos das
redondezas, deram-lhe uma ideia quanto ao local que lhe parecia melhor para
abrir o poço. Esta era também a ideia do Ti Jarolmo, mestre que iria fazer o
balseiro. Seria com toda a certeza a localização dalgum veio de água que os
alimentava a todos e lhe daria a ele também a possibilidade de fazer com que o
terreno produzisse mais fartura pra casa.
…o ano ia de feição para este trabalho.
Muito seco, e o nível freático estava bem fundo, fato que permitiria levar o
poço bem lá para baixo, pró quinto dos infernos.
Há dois dias juntaram-se seis valentes
(Ti Manel, os dois filhos e os compadres!) e marcaram e fizeram a escavação, com
a junta de bois, jungida pela canga e ligada por forte tirante ao rodo. Guiava
os bois para a frente e para trás e o filho manobrava o rodo, arrastando-o para
trás e garantindo que se mantinha em posição de rodar a areia, pela força dos
bois, para o monte algo distante do local do poço, no sítio onde o ti Jarolmo
marcou para que ali fosse construído o balseiro para o poço que queria viesse a
dar água para regar o quintal que tanta fartura dava e onde a filha tinha
construído a casa. E que bonita que ela estava!
A data do casamento aproximava-se e Ti
Manel fazia questão que tudo estivesse perfeito para dar bom princípio de vida
à filha e futuro genro. Até já tinha apalavrado uma junta de bezerros e uma
vaca cheia para lhe meter no curral.
O compadre estava disposto a fazer-se
brioso e estavam a dar-se muito bem.
Vezes sem conta disse à filha que
apanhasse tino na cabeça. Que não se deixasse ir em lérias pois quem casa fora,
ou engana ou é enganado. E ela, nesse aspeto, deu-lhe oividos. Honra acima de
tudo. Honra e respeito pelos pais e seus conselhos. Estava muito satisfeito com
a escolha acertada que a cachopa tinha feito.
E o compadre era da mesma opinião! Já
tinham ido ao Samoical cortar três pinheiros barcais, cheios de cerne, e ido
com eles á fábrica ao Cabeço, cortá-los como mandou o Jarolmo, mestre na arte
de construir o balseiro e outras alfaias, nassairas para uma casa.
Era também ele quem iria construir um
carro de bois, um de três rodas e um de mão para apetrechar a casa.
Era o monte de madeira que se via
empilhado mesmo junto à escavação onde era para fazer o poço. Eram barrotes,
tábuas, umas mais finas que outras, que aguardava as mãos do mestre para obrar
o balseiro e, feito este, dar em afundá-lo e levá-lo à água, tão fundo quanto
possível para que não faltasse o precioso liquido nos momentos fortes do verão
e a seara se não ressentisse.
E o mestre Gadelha chegou. Bem cedo,
munido da sua enchó, serra de mão, martelo e buaneiro para por os pregos, a
primeira coisa que fez foi marcar o eixo do poço para começar a assentar a
cambota que iria suportar depois toda a estrutura do balseiro, sobre o qual
seria então assentes os adobes, quase dois mil que ali descansavam também à
espera de serem agilmente assentados por mãos de mestre de obras, gente que
sabia o que fazia.
Ti Manel, o compadre e os filhos
prestaram-se a servir o ti Jarolmo, colocando-lhe á mão, o material que lhes ia
pedindo.
Colocaram no fundo, muito próximo do
meio exato do poço, uma burra para ser suporte da madeira a cortar à medida
exata.
Ti Jarolmo começou por cortar algumas
tábuas, das mais grossas, que achava compridas, para fazer a cambota,
redondinha.
Passou depois, com lápis que tinha atrás
da orelha, a fazer as marcações tendo em vista os cortes para a junção das
tábuas.
Feito este anel, pediu bocados de tábua
com meio metro de comprimento e enregou a prega-los de maneira a unir as tábuas
inicialmente colocadas.
Feito este trabalho, deu início ao corte
dos barrotes, com um metro de comprimento e cortes nas pontas em meia
esquadria. Á medida que ia cortando, ia-os colocando, formando um “xis”
assentes e pregados na cambota.
Este trabalho realizado, houve necessidade
de fazer novo anel, também com tábuas grossas para, à semelhança do primeiro,
assentar sobre os barrotes e fixá-lo convenientemente com pregos. O poço tinha
quatro metros de diâmetro, certinho nas medidas, medindo fosse de que ponto
fosse da cambota, conquanto que passasse sobre a estaca que assinalava o meio.
Estando feita esta roda gigante, o
esqueleto do balseiro, Ti Jarolmo, começou a cortar tábuas, ligeiramente mais
finas que as primeiras, com um metro de comprimento e, munindo-se da sua enchó
deu em afiá-las numa das pontas, pregando-as depois aos aros, do lado de fora
destes, com a parte afiada para baixo e a mais fina virada para dentro. Andou
neste trabalho dia e meio… e o balseiro ficou pronto para se poder fazer o
poço…”
"...no dia apalavrado, manhãzinha
muito cedo, Ti Quintino aparece com a sua junta de bois, animais de porte e
respeito, com uma carrada de paus de meda, roldanas, e gamelas de ferro, (umas
bacias quase quadradas, com eixo, que serviriam para receber a areia no fundo
do poço e transportá-la até ao cimo, ao ritmo do mandador e montaram as
caçambas) e cabos/tirantes.
Questionou o Ti Manel acerca do ponto
onde queria que a areia fosse amontoada e deu inicio à montagem do seu
aparelho.
Um estrado de tábuas assentes em dois
pinheiros fortes, estrado este que permitia o trabalho de um homem caminhando
sobre ele e manobrando o pau da roldana por onde passava o cabo de aço que ia
ao fundo com a gamela vazia e a trazia cheia de areia para cima.
Enquanto ti Quintino montava as caçambas,
os bois, amarrados à roda do carro, iam comendo um feixe de palha para darem o
litro quando tal fosse nassairo.
É que eram estes que tinham a
incumbência de, num vai vem constante, para a frente e para traz, dar que fazer
aos homens que andavam no fundo a cavar e encher as caçambas. Também já estavam
habituados pois era esse o seu trabalho quase diário…
O pessoal ia chegando e Ti Manel ia
pedindo aqueles que lhe pareciam mais rijos que fossem para o poço, formassem
equipas para cada enxada (um ao olho outro ao cabo!) e dessem inicio a amontoar
a terra no meio do poço. Assim formou cinco pares e mandou os filhos lá para
baixo para, com enxadas e pás, encherem as caçambas, não dando parança aos
bois.
Sobre o estrado, estava um homem jovem,
rijo e fero como convinha, para rodar a vara guia com a gamela, tendo todo o
cuidado para não magoar nenhum homem lá em baixo, nem cá em cima às mulheres
que, munidas com enxadas, tinham por missão arredar para traz a areia que um
outro homem descarregava, revirando a gamela, num frenesim constante.
Começou a sair areia branca e
depositaram-na à parte. Logo ali se deu início ao amassar da cal e o mestre foi
para cima do balseiro receber a cal amassada, espalhá-la convenientemente sobre
o balseiro e depois assentar os adobes. É que assim tornava-se mais fácil fazer
com que o mesmo se fosse enterrando e impedindo que a areia lateral fosse
caindo para dentro do balseiro.
A água começou a aparecer aos dois
metros de profundidade, um remijo muito pequeno, mas não havia barro nem
palhão, sinal de que poderia ser um bom sítio de nascente. Não era esta água
que ia dificultar o trabalho dos homens…
Quando deu o meio dia, Ti Manel deu
ordens para todos subirem pois a Maria estava a chegar com a panela das sopas e
havia necessidade de aproveitar o tempo para deixar o poço emparedado.
Ti Quintino libertou os bois do cabo que
os ligava às caçambas e, mesmo com a canga no cachaço, foi pô-los à sombra,
amarrados a um pinheiro e com um feixe de palha na frente. Era o seu almoço.
Assim se fez e, pouco tempo depois,
todos estavam sentados na manta de retalhos e nas esteiras corridas, com um
prato no regaço, comendo avidamente umas ricas sopas de feijão seco, masturado
com batatas, coives e um punhado de arroz, cultivado nos alagamentos do Chão
Velho, e uns nacos de toicinho do porco que mataram no S. Martinho.
Não faltou o garrafão do parreirol para
animar e dar força aos braços…
Quando voltaram ao trabalho, iam mais
animaditos pois o descanso durante o almoço soube-lhes mesmo bem.
Voltaram aos seus lugares e a faina
voltou a acontecer. Ainda tiraram meia dúzia de gameladas de água para cima,
mas mesmo essas também traziam areia.
Com cinco fiadas de adobes em cima do
balseiro, a coisa começava a tomar forma de poço. A água agora fervilhava de
todo o lado, para alegria do ti Manel. Não dava parança aos homens, nem Ti
Quintino aos bois!
E assim andaram até perto das sete horas
da tarde…”
“…e adaptou uma zorra à grade para, com
os bois, achegar a areia para junto das paredes do poço. A restante seria
carreada para as partes mais baixas da terra, tornando-a assim toda nivelada e
melhor de trabalhar.
Agora urgia ir à cata de quem lhe
fizesse um engenho em condições e lho prantasse no poço antes do verão do ano
que vem. E assim fez. Falou com os amigos, num dia em que se encontravam a
beber um copo na taberna, e concluiu que não seria má ideia falar com o
Leonildo e apalavrar tal arte.
No dia seguinte deslocou-se, bem cedo, à
oficina do Leonildo e falou com ele. Combinaram ir ao poço para tirar medidas.
Acordaram que a corrente seria dupla, mais carote mas muito mais forte e
segura. O poço tinha quatro metros de diâmetro e quase seis de fundo.
Era um poço em condições e tudo levava a
crer que água nunca ali faltaria. Dava para ele e para os vizinhos que dela se
quisessem servir, recebendo por esse fato uma eventual renda com que não
contava!
Sabia sempre bem arrecadar duas ou três
rasas de milho, a mais que o que cultivava em cada ano.
Leonildo, mestre na arte do ferro e
latoaria, deu de imediato inicio à construção do engenho. Primeiro as rodas,
horizontal e vertical. Indicou-lhe onde poderia ir arranjar duas vigas de
ferro, carris de comboio uma com o comprimento de quatro metro e meio e outra
com o comprimento de quatro metros.
Alertou-o também para que não esquecesse
a passagem, em tubo largo e resistente, para ser pisada pelo gado e deixar
passar a água da almace. Quanto às vigas, podia até transportá-las para tão
perto do poço quanto possível, tinha lá bom espaço, e assim, não tinha depois
continas para as movimentar para o local onde iriam ser aparelhadas e depois
colocadas sobre as paredes do poço como convinha.
Ainda outubro não tinha acabado e já o
Leonildo o avisou que estava o engenho pronto para ser colocado no poço, com
corrente e tudo.
Ti Manel também já tinha no quintal os
carris para o suporte do engenho!
Só faltava acabar de fazer os alcatruzes
e a almaça.
Ti Manel apressou-se a falar e combinar
com os filhos e mais alguns amigos, o momento em que iriam assentar as vigas
nas paredes do poço. Aquilo era trabalho que requeria força para as movimentar
e colocar no sítio. A mais comprida ficaria exatamente no diâmetro do poço (a
parte mais larga deste, parede a parede!) e a outra ficaria a norte a uma
distância de um metro da primeira.
Leonildo mandou-lhe um mancal duplo
(horizontal e vertical, em simultâneo) e um simples para que o colocasse no
meio da viga grande do poço. Ele depois fixá-lo-ia de modo a que recebesse as
duas rodas do engenho, fixaria o paralelismo das vigas com uniões de ferro, que
as não deixariam tombar nem reduzir ou aumentar a distancia entre si.
Passada uma semana, surge um poço com um
engenho novinho em folha, todo pinchado como deve ser, faltando somente os
alcatruzes e almace. Só lhe faltava mesmo um animal para por ao cambão!…”