Recomecemos a dar vida ao "Sou da Gândara"!!!!
Tenho razões para ser gandarês : Sou neto da "Ti Manca", do "Ti Zé da Domingas", da "Ti Alzira da Reboca"! Forma simples que encontro para com eles dialogar, fazer com que nunca sejam esquecidos, que os meus filhos, amigos e todos os que a este blog se desloquem, deles se lembrem. Deles e doutras personagens a quem me curvo pela sabedoria, pela forma de vida, pela maneira de estar, pela influência que em mim tiveram, pelo sorriso que ainda ostentam nas imagens que os perpetuam no Campo Sagrado.
quinta-feira, 7 de dezembro de 2023
… nunca ninguém os ouviu ralhar um com o outro!
sábado, 16 de setembro de 2023
Abriu-se a Arca do Tempo!
Uma chieira
persistente, enquanto o movimento de rotação sobre os gonzos se fazia sentir,
incomodava finamente a audição, um misto de sons agudos e graves,
desconcertados, fazia-se ouvir e suspeitar do conteúdo pelo muito tempo passado
desde que foi aberta pela última vez…
Pela fina frincha,
entre a tampa e a borda da caixa, sai de imediato um enorme espaço, volúvel,
como que um bálsamo inebriante que gostosamente nos envolve e transporta
através do tempo, para tempos imemoriáveis, dando-nos uma sensação de prazer,
indelével, que gostosamente abraçamos e, de sorriso sublime, nele embarcamos…
Surge-nos, ao
longe, um SOTÃO DE MEMÓRIAS…
Espaço onde o
sentimento se expande, onde o dar é antagónico, onde o saber se desenvolve e
dilata, onde a troca é possível e desejável.
É condição básica e
necessária, para utilização e usufruto do espaço, a necessidade de partilhar e
trocar conhecimentos!
Na gândara tudo se
troca! Batatas por fruta, influências por trabalho, tempo por tempo, trabalho
por trabalho, saberes por sabores, sorrisos por sorrisos, amizade por nada, e,
no fim, quando nos dispomos a dar desinteressadamente, verificamos que
recebemos muito mais do que o que demos e saímos mais ricos do que entrámos!…
Lá está saliente o
nosso orgulho nas origens!
A genuinidade está
por todo o lado. Riqueza sublime, conhecimento profundo da realidade e forma de
vida.
Não existe rico nem
pobre!
Todos são
remediados, uns mais bafejados pela sorte que outros, de sorriso mais pronto e
espontâneo, são os que menos se incomodam com o material, … o pão nosso de cada
dia lhes basta!
Todos vibram com os
acontecimentos inusitados que afetam cada um e todos os elementos que integram
o grupo/sociedade de que fazem parte.
Respeitam-se
mutuamente! Unem-se em torno de projetos e objetivos comuns…. Alcançam a
felicidade lutando e construindo pontes, assentes em sólidos muros que todos
utilizam para ir mais além rumo á felicidade e deixando, á passagem, desbravados
caminhos para simplificar e facilitar a passagem aos vindouros…
São, somos,
…GANDARESES DE GEMA!
Terreno arenoso, consequentemente pobre, plano,
onde os habitantes, praticando uma agricultura intensiva, vão revolvendo quase
diariamente as terras, no intuito de as oxigenar, fertilizar e delas tirar o
maior proveito em termos de produção agrícola.
Designações como "uchas", "areias", "palhais", "fojos", "cabeças pintas", "chão velho", "costeirinha", "moitas altas", "Quinta da ciana", "quintas", "serbatinho", "foros", "areia rasa", "barros", "alto da fonte", "brajeira", "cabaços", "canto de cima ou de riba", "barrocas", "fonte da meneza", "cova do baltazar", "joinais", "covadinha", "fojo da pacha", "ribeiros", "peixota", "seixo dalém", "geiras", "olarias", "baleira", "broão", "águas férreas", "baleira da bruxa", "pinhal redondo", "pinhal do fojo", "mato do seixo", “Coroal”, “terra das canas”, “Ribeiros”, “Sardas”, “Cova da Rabeca”, Lagoa da Limpa” referem-se a zonas determinadas da área da Freguesia do Seixo, que todos ou quase todos os habitantes da Freguesia sabem localizar com exactidão. Muitos deles foram usados como topónimos para as ruas dos lugares, propostos e aprovados por uma comissão de moradores constituída pouco antes da criação da Freguesia Civil.
quinta-feira, 3 de novembro de 2022
…E que bem que lhe sabia ficar em casa nesse dia!
sábado, 22 de outubro de 2022
Matança. É S. Martinho...
Os convidados estavam já a chegar tendo os homens ido
ao curral ver o animal, bicho aí para as onze, doze arrobas. O mata-bicho
estava já na mesa do alpendre…"
domingo, 9 de outubro de 2022
...e arroz com feijões!
...
Chegada a casa, a
Maria, correu logo para a cozinha para provar os feijões que deixara, manhã
cedo, ao lume na panela, (que das três pernas já só tinha três cotos), adubados
com um pedaço de toucinho alto, ajeitar os tiços debaixo da trempe e juntar-lhe
mais uns gravetos para iniciar a fervura e depois “masturá-los” com umas
batatitas, uns bagos de arroz e umas folhitas de couve. Depois dirigiu-se ao
quintal e, de passagem, pôs uma gabela ao gado, cortou meia abóbora aos
bocados, juntou-lhe um punhado de farinha, acabou de encher o balde na bomba e
deitou tudo na pia ao porco, deu milho às galinhas e foi depois apanhar uma mão
cheia de couves para a panela. Tinha as voltas dadas para o meio-dia.
Algum tempo passado e
o sino da torre da Igreja fez-se ouvir anunciando o meio-dia! Era tempo para
parar, dar graças, e invocá-lO! Logo ali, erguendo os olhos ao céu,
mecanicamente e em voz alta, rezou as “Ave-marias”: “O Anjo do Senhor anunciou
a Maria…” No final benzeu-se, e foi para a cozinha pôr os pratos na mesa e
esperar pelo Manel e pelos cachopos que deveriam estar a chegar.
Sobre a mesa foram colocados seis pratos, a broa, a “picheira” com vinho [a pinguita sempre havia de dar mais alguma força ao Manel para puxar pelos outros a cavar (É que isto de exemplo tem que se lhe diga!)] e a panela das sopas com o testo em riba. Não esqueceu o garfo de ferro que o homem tanto aprecia, aliado á navalha que sempre traz no bolso. Coisas pequenas… que nos levam longe e dão origem a grandes obras fazendo aumentar a afeição!
Chegaram os cachopos
e foram ter com o Avô que ainda não tinham visto nesse dia. Pouco depois foi a
vez do Manel que entrou pelo pátio dentro a assobiar e se dirigiu á bomba do
poço para lavar as mãos, a cara e acabar de lavar os pés e pernas, em águas
mais limpas, sim porque a crosta maior já ele havia primeiro rapado com a
enxada e no caminho, ao passar na Vala da Sapateira limpou ainda alguma lama.
Mal entrou a porta da
cozinha, entrou-lhe pelas narinas um cheirinho divinal e, “salvando” todos, sentou-se á mesa.
E o Manel, depois de
todos se terem servido, (como que a querer certificar-se de que o alimento
chegava para todos) serviu-se também ele e, em jeito de brincadeira mas com
muita clareza, deseja a todos bom apetite, “bom
proveito á barriga e ao peito” e “bota a dar-lhe porque quem não é para
comer, também não é para trabalhar.
Que bem lhe sabiam
aquelas sopas! E que paladoso estava o naco de quinhão que lhe calhou! Até
parecia ter febra agarrada! Aquele molho a escorrer para o pedaço de broa (de
cima e de baixo, farturinha graças a Deus!) pois o toucinho do porco morto pelo
S. Martinho, graças ao bom Stº Antoninho, era bem alto e tinha tamanho e
quantidade que deu para encher a salgadeira até cima, garantindo carne para o
ano inteiro assim a soubesse arratelar a sua Maria. A ele competia ensinar os
filhos a “acuntar” o quinhão e dele tirar paladar. E que bem lhe sabia a
canecada do seu inconfundível parreirol!
Finda a refeição, seu
sogro usou dos pergaminhos dados pela proveta idade e deu graças, de forma
sentida: “Abençoai Senhor o alimento que acabamos
de tomar. Que ele restaure as nossas forças para melhor vos servir e amar.
Abençoai quem esta refeição preparou e não vos esqueçais daqueles que para vós
chamastes. Ás Almas dai-lhe Senhor o eterno descanso… que descansem em paz”.
Todos responderam em uníssono “Ámen!
Assim seja!”
Que respeito se viveu
durante aqueles momentos! Que sentidas foram as palavras! Como o Ti Joaquim se
lembrava ainda da sua Ana! E iam passados mais de vinte e três anos!
Cabisbaixa, a Maria
pensava na melhor maneira e altura para por o Manel ao corrente do seu estado…
quinta-feira, 29 de setembro de 2022
...
Andou na moina todo o dia. Com as calças
rotas nos joelhos, agora via-se em palpos de aranha para arranjar uma desculpa
para apresentar à mãe de modo a que o mexedor não se fizesse sentir mais
intensamente quando chegasse a casa. Sim, ele já sabia que tinha o destino
traçado: quando chegasse a casa iria apanhar mais uma vez para não quebrar a
rotina a que estava habituado. E de nada lhe valia chorar e chamar-lhe mãezinha
ou prometer que não voltava a acontecer. A vontade de ir por aquela vala fora,
de calças arregaçadas até ao joelho, de pé descalço, correndo o risco de sair
todo arranhado pelas silvas ou de cair na água e ficar todo molhadinho, era superior
ao cumprimento do dever e de fazer as obrigações que a mãe lhe deixou
destinadas quando ia andar de fora, trocar tempo ou ao jornal. Até reconhecia
que a mãe fazia grande esforço para o trazer limpo, anafado e mais ou menos
asseado mas a vontade de ir aos ninhos era mais forte do que o dever de ficar e
cumprir.
A primeira ainda não tinha ganho vez
nenhuma e por isso mesmo já conhecia o mexedor em todos os seus lados. Ainda
bem que a mão o agarrou pela mão e só lhe assentou o mexedor no cu. Estalava mas
já começava a ganhar calo…
Mas que raio. Como é que ele foi logo
escorregar de tal maneira que o toco da tranca lhe apanhou a perneira no
joelho, se enganchou e lhe rasgou as calças. E que corte ele tinha na perna
também… Mas a perna era o menos. Ferveria água com folhas de eucalipto, lavava
bem lavadinho e punha um pouco de azeite. Se aquele tratamento curava a capação
dos porcos, e eram dois cortes tão fundos, também havia de lhe sarar a ferida
do joelho que embora mais comprida, eram muito mais baixa…
Nesta cogitação deu consigo sentado dentro
da cabana da palha, junto da eira e só veio a si quando começou a ouvir o
alarido e alazoado da mãe a chamar por ele em altos berros e a dizer que o
desancava com elas. É o apareces!
Aconchegou-se mais e desviou-se do sítio
onde sabia que a mãe iria, mais tarde ou mais cedo, buscar a gabela da palha
para dar à vaca. Ali não tinha frio e podia aguardar calmamente até arranjar
uma razão para justificar o rasgão das calças novas de cotim. Mas a perna que
lhe começou a doer! Relhou os dentes com força e assim se manteve até que
amadornou e adormeceu…
Não sabe o que se passou naquele intervalo
de tempo. Só sabe que era já noite escura quando o avô o agarrou e o levantou,
gritando para a filha que já o tinha encontrado.
A mãe tinha chegado a casa e enregado a dar
as voltas, não sem antes o ter chamado em altos berros, como de costume, ele
ouvia os gritos dela e ficava a saber que eram horas de regressar a casa. Mas
nesse dia, com medo à tareia por causa das calças rotas, escondeu-se na cabana
da palha e adormeceu. Esteve ali algumas duas horas ou mais pois se até o avô
já andava à procura dele… E a mão garantia que já tinha ido à cabana e não o
tinha visto lá… Mas o avõ, que ainda ouvia muito bem e sentiu um quase ronronar
e remexer da palha, sem meias medidas meteu a mão e, imagine-se, agarrou o
fidalgo…
quinta-feira, 23 de junho de 2022
Gente do Seixo...
...
Areias inconstantes, simples e soltas da Gândara, deram origem a um povo
simples, aberto, solto, persistente, sofrido, fazedor de soluções para o seu
dia-a-dia.
Capaz de se adaptar e influenciar o meio que o envolve e sociedade que
integra.
O Seixo também já teve feira! Aqui se desfaziam dos produtos de que
abdicavam por considerarem supérfluos, “gulapeiros”, em detrimento do
necessário essencial.
Aqui compravam, vendiam e trocavam produtos. Aqui trocavam experiências,
ensinamentos. Aqui enriqueciam de forma estranha numa contínua troca de teres e
conhecimentos!
Povo crente! Que cresceu á sombra da torre da Igreja onde o Sr. Cura ou
Abade eram órgão máximo na gerência e orientação de toda a Comunidade.
Gente que fixou nuvens de areia! Que transformou areias soltas e simples
em terrenos produtivos!
Gente que se adaptou ao rigor do tempo e criou condições para, por
conhecimentos adquiridos, viver em plena harmonia com tudo e todos! Até com os
animais que explorava!
De manhã e á noite, cabeça encostada entre os quartos traseiros e as
costelas da vaca, mãos nos tetos em movimentos verticais de cima para baixo e
de aperto intermitente, de massagem, precisos e constantes, vão libertando do
úbere o precioso líquido!
Leite que de manhã e á noite, é entregue na leitaria.
Gente que ia á feira apalavrar. Gente que negociava em plena rua
produtos e vivências. Gente que respeitava e se fazia respeitar dando á palavra
mais valor que muitos documentos hoje lavrados nos Cartórios!
Aqui se trocavam e negociavam ferragens, cereais, tamancos, peixe,
vinho, comidas, roupas, barros, batatas, plantas, porcos, bovinos, aves,
chupas, tremoços…
Gente que olhava os tempos e, com base nos ensinamentos que oralmente
lhes foram sendo transmitidos pelos antepassados, ousava fazer futurismo,
sentenciar o presente e vaticinar ocorrências futuras!
Gente que labutou nas olarias a fazer adobes, de sol a sol…
Gente que partiu para os “Brasis”, para as “Américas” e Europa na
procura e luta pela concretização de um sonho!
Gente que, com sangue, suor e lágrimas, se entregava durante mais de
vinte e quatro meses, de corpo e alma, lá longe, muito perto do Cabo das
Tormentas ou da Boa Esperança, a defender a Pátria amada, por imposição! Que
amor… mas amavam o dever até á morte se preciso fosse!
Gente que ousava e até… trocava tempo!
Gente que carregava “zargas” á cabeça!
Da labuta diária fazia parte o constante passar de carros de gado (com
carradas de agulhas, de moliço, de sal, de trancas, de abóboras do Palhal…), (o
carro do burro com peixe, com fruta…)
Agitação e movimento constante de sol a sol! Desde as Ave-marias ao
toque das Trindades! Agitação que dava vida e cor a esta aldeia!...
domingo, 22 de maio de 2022
Andamos muito tempo em piloto automático...
Encontrei-o cabisbaixo,
sentado na soleira da porta da Casa da Eira, com o chapéu nas mãos e afogueado com
o calor que se fazia sentir.
Ti Manel fazia hoje os 93.
Mas nem por isso se escusou a falar comigo daquilo em que estava a cogitar.
Depois dos
cumprimentos da praxe, um bacalhau bem apertado, sai-se com esta:
…e a vida vai-nos
presenteando com tudo e até com o que menos se espera. Ás vezes não contamos com
ela, nem nela pensamos, e somos forçados a ultrapassar os obstáculos que nos
surgem pela frente.
Chego a pensar se
serão na verdade obstáculos ou se não serão antes estímulos para, com mais
garra, ir mais além, no mesmo rumo, tendo em vista o mesmo objetivo.
A partir duma certa
idade parece que passamos a andar em piloto automático, sem tempo para correção
de rotas, acomodados com os resultados do que vai surgindo no dia a dia e…
deixamos de estipular novos objetivos, aceitar novos desafios, aventurar-nos
noutros rumos, numa palavra acomodamo-nos!
E os anos vão
passando.
Cada doze meses aumenta
um ano na nossa presença terrena!
A determinada altura,
com o diminuir da velocidade de cruzeiro em que temos andado, mas sem abandonar
o piloto automático, apercebemo-nos de “névoas” que vão surgindo do nada, mas
que nos começam a incomodar e obrigam a “agarrar” de novo nos comandos, recuar,
repensar, corrigir direções, procurar causas e justificações, e verificamos que
as oportunidades foram surgindo, que as deixámos passar ao lado distraídos e
ocupados com outros interesses, quiçá, de menor valor!
A saúde valorizamo-la
quando o revés da doença se apodera de nós! Da alegria sentimos falta quando a
tristeza nos inunda e por vezes nos afunda em profunda solidão.
Chegamos à conclusão
que afinal não temos família!
Pertencemos a um
grupo restrito de pessoas, que se protegem e apoiam até determinada altura. Mas
lá vem o momento em que tomamos a noção da realidade e constatamos que, afinal,
quando dizemos que queremos muito aos outros, mais não estamos do que a querer
que eles sigam as nossas orientações. Esquecemos a individualidade de cada um
e, por vezes, até o respeito que cada um nos merece nas decisões que vai tomando
ao longo da sua vida, quando “liga o seu piloto automático”!
Gastamos muito tempo
a procurar o bem que nos rodeia e que não enxergamos e não valorizamos os momentos
que vão passando, certinhos, contínuos, constantes.
Por falar nisso, anda
cá comigo, vamos ali à Casa da Arrumação provar um parreirol à minha saúde e à
nossa amizade!...
sexta-feira, 22 de abril de 2022
…
Olha que eu falei em
casar e a primeira coisa que o meu pai me disse foi “quem casa quer casa,
portanto, trata lá de falar com ela e digam onde querem erguer o vosso lar pois
ajudar-vos isso vamos mas interferir, não contem connosco”! Mas espera aí. Quem
é a cachopa?
Lá fui obrigado a abrir o livro dos segredos e deixá-lo ler algumas páginas.
-Tu não me digas que
andas de namoro coa filha do Castelhano. Tu toma tento nessa cabeça. Aquilo é
gente de respeito e nós também somos dados a ele.
-Então fique a saber
que sexta-feira à noitinha, vamos lá a casa deles que eu quero pedir a Maria em
casamento. Já falei com ela e estamos de acordo.
Desde essa conversa o
Ti Manel tudo fez para se encontrar com o Castelhano em ponto de poder tocar no
assunto, mas nunca surgiu oportunidade para tal.
No dia aprazado,
dadas as voltas em casa, Ti Manel, mulher e filho, vestidos mais
adonairadamente, dirigiram-se a casa do Castelhano, tentando fazer o percurso
por caminhos que dessem menos nas vistas pois não queriam dar a conhecer as
intenções.
Já a Maria, o pai e a
mãe estavam como que a fazer tempo, com tudo pronto, voltas dadas, panela ao
lume, mesa posta, à espera de tão ilustres personagens. Que raio, iriam ser
compadres pois os filhos iriam casar!
Feitos os cumprimentos da ocasião e enquanto os homens se dirigiram à adega provar um parreirol, as mulheres, timidamente meteram-se com a cachopa a tentar tirar nabos da púcara, para saber se já tinha acontecido alguma coisa ou se o namoro era sério e como convém a gente honrada.
A rapariga, corada, descansou-as, dizendo que nada
fizeram que não pudessem ter feito na frente fosse de quem fosse, mas que não
tinham querido namorar à frente de toda a gente. Queriam conhecer-se e falar do
amanhã em comum. Queriam dar os passos certos no tempo certo.
Chegados os homens, o
Ti Castelhano convidou para a mesa, pediu ao “Parceiro” que se sentasse ao seu
lado e os “Cachopos” na outra ponta da mesa. As mulheres sentar-se-iam onde
quisessem…
Panela na mesa,
picheira de parreirol a vazar-se bem, de tudo falaram, menos de casamentos! Até
que que, Manel e Maria, pedindo licença aos pais, deram a conhecer as suas
intenções e que gostavam de saber as opiniões deles.
Concordaram com o
casamento, claro, e logo ali deram início à conversa acerca do dote que poderiam
dar-lhe.
> Ti Castelhano, brioso,
enaltece e oferece: A minha cachopa levas as baleiras para assentamento! “Olhar
que naquilo muitos queriam por a mão, mas cedo decidi que seriam dela. Aquilo é
coisa asseada!
> Assim sendo o meu rapaz leva
madeira rija, dos pinheiros do Samoical, para serrar e aparelhar pró que for
preciso;
> A minha Maria leva atão o
rego dágua, terra forte e boa embora esteja dividida pela vala que ali escorre…
> Falei ca Comadre e também
vamos deixar que ele fique com a Pichota, que embora seja pequena, tem um bom
poço;
> O
meu pai, a mangar ou a sério, já aqui há tempos lhe pôs á disposição a borda
das olarias. Nunca foram exploradas e tem areia de primeira qualidade e espaço
suficiente para fazer o barreiro;
Havemos de ir à cal.
Temos os Fornos, o Barracão, O Zambuzal. A do Barracão parece que estala muito…
E o mais se há-de
arranjar. Eles já não vão para novos. Ele com 30 e ela com 24 já é idade para
se saber o que se quer.
Dum lado e de outro,
havia mais irmãos em casa, todos mais novos. Eram eles, lado a lado, quem iria
“encertar” os ranchos daquelas famílias. O pai fazia pão com a graça de Deus e
o sogro seguia-lhe o rasto. Tanto uns como outros tinham o seu moliceiro,
arrimado aos moirões no Cais do Areão! Certo e sabido que o moliço estava
garantido para o adubar das terras, assim a Ria o criasse nos seus longos
braços, pois os recantos onde ele era mais graúdo não lhe eram desconhecidos.
Cada um tinha a sua Junta e ao lado, duas vacas leiteiras que anualmente davam
cada uma sua cria, certinhas tanto no leite como nestas. Aquilo eram autênticos
colchões …
terça-feira, 15 de março de 2022
Têm forçosamente que ser estrumados e adubados,
enriquecidos assim com o húmus e azoto para melhor responder às exigências, em
termos de produção, que lhe são feitas! Ensinamentos transmitidos de geração em
geração, oralmente e depois, já na idade de ir p’rás terras, na prática. Era
assim que faziam já os Pais, Avós, Bisavós, etc., etc. Todos estavam ligados á
terra que só produz á custa de muito trabalho e suor.
Durante os meses de Fevereiro e Março, o monte
de esterco que havia sido carregado para as terras e amontoado numa das
extremidades do terreno, onde havia sido “caldeado” com moliço da Ria, agulhas
secas e esterco que havia sido retirado dos currais do gado, tendo servido para
lhe “fazer as camas” era dividido e carregado para toda a terra, colocado em
montes pequenos ao meio desta no sentido da largura, em espaço onde previamente
estonado, deixando a terra nua e crua no sítio onde era descarregada a carrada,
alinhados em todo o comprimento e distantes uns dos outros de cerca de quatro,
cinco metros, qual fileira de “montes de esterco”, correspondendo o seu tamanho
a uma carrada de carro de vaca ou de dois bois.
Depois deste trabalho, feito normalmente pelos
homens, as terras eram cavadas com enchadas, por homens e mulheres, formando
ranchos em troca de tempo que, manta a manta, reviravam o terreno, depois da
estona, cavando á rasa, a releicho ou a manta, de acordo com a finalidade
pretendida, tendo em conta a cultura que estava destinada nessa altura para o
terreno.
Chegados ao pé dos montes de “esterco”, passavam-nos
para trás, para a terra cavada e continuavam a cavar.
Se a sementeira prevista na terra a cavar eram
as batatas, quando o rancho era grande e já estava cavada uma porção
considerável de terreno, muitas das vezes passava para a parte de trás um grupo
de pessoas, nunca inferior a quatro, podendo neste trabalho ser aproveitada uma
criança para desempenhar uma função e permitir maior rendimento de trabalho dos
adultos. Das quatro pessoas que passavam para a sementeira, uma era a que,
munida de um cesto de vime, carregava o esterco dos montes para o corte e o
dividia em camada uniforme pelo corte ou carreiro. Outro puxava terra com as
mãos para cima do esterco e colocava a semente sobre esta. Outro ainda,
eventualmente a criança, munida de um boaneiro, ia colocando pequenas pitadas
de adubo (uma mistura de amónio e potassa), sobre o esterco, entre as talhadas
da batata, mas nunca muito próximo destas e finalmente, a última, era o
alagador que, munido de uma enchada de cem mil réis, ía alagando, cobrindo com
terra a semente, deixando assim aberto novo sulco ou carreiro, tapando o
primeiro para repetir todo o ritual, quase automático, de cada uma das pessoas
que andavam neste corte...